André Ventura, líder do Chega e da direita populista portuguesa, há uma semana, em conferência de imprensa, anunciou que pretendia trazer a CPAC [Conservative Political Action Coalition, em português Coligação da Acção Política Conservadora] para Portugal. Tornar-se-ia o anfitrião dos líderes das direitas populistas, e das direitas não democráticas europeias, norte e sul americanas. Informou haver convidado para tal evento Trump e a sua cópia de quinta categoria, Bolsonaro. Não sei se André Ventura ainda irá a tempo, mas a avaliar pela panóplia de convidados anunciados, falta Netanyahu e o rico filho – aliás, com os filhos de todos esses grandes homens, e a qualidade filial que os caracteriza, podiam fazer a CPAC dos Pequeninos.
A direita não democrática, de face mais populista ou mais extremista, que grassa na Europa como não a víamos desde há mais de 70 anos, não é órfã. E se em países como o Brasil, onde não há um presidente decente desde Fernando Henrique Cardoso, é fácil percebermos o movimento de reacção à corrupção da esquerda de Lula com a catástrofe bolsonarista, na Europa do século XXI torna-se mais difícil percebê-lo – falar dos esquecidos da globalização não é suficiente.
O que verdadeiramente me preocupa é não aprendermos com o passado. Mas tenho alguma esperança de que aprendamos com o povo ucraniano e com o povo israelita que, com a vida, uns, e na rua, os outros, defendem os valores civilizacionais que custaram séculos a levantar. Infelizmente, e também isto a história o demonstrou à saciedade, e tanto com a esquerda como com a direita, basta olhar para Maduro e Órban, o processo eleitoral democrático é, após conquistado o poder, progressivamente suspenso de forma clássica, desde o controlo dos media ao fim do Estado de direito, até que se torna quase impossível o derrube do regime autoritário. E volto a referir o que anteriormente afirmei: o elemento tecnológico, tecnologia como nunca tivemos, permitirá um controlo e manipulação profundos; o que hoje temos, e tanto estrago faz, é apenas um assomo do futuro.
A Europa cristã, os anti-eurocêntricos que me perdoem, é mãe dos valores civilizacionais que os democratas liberais defendem e sem os quais não há esperança para as mulheres que em nome desses valores estão a fazer a revolução e a ser mortas no Irão. Como sem eles não haverá esperança para qualquer país em transição para a democracia em qualquer ponto do globo. Nem haverá esperança para nós se os deixarmos entregues a si mesmos: cairão às mãos de bárbaros – bárbaros como os que André Ventura convidou, e Trump como cabeça do lamentável cartaz.
Aqueles valores estão plasmados na ideia de cristandade universal, primeiro, génese da ideia de Europa depois e por fim vertida na ideia de Ocidente. Do Ocidente que chega ao Japão: não há judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher pois todos são um em Jesus Cristo. São a base da democracia liberal. O populismo e o identitarismo engrossam a corrente contrária a esta revolução que Paulo encabeçou enquanto semeiam o nós contra eles.
Volto a André Ventura e às direitas populistas e às direitas anti-democráticas que hoje como antes, e reforço a nossa incapacidade de aprender, os socialismos alimentam com a destruição da classe média, da odiada «burguesia» empreendedora, a quem deve, no mínimo a prosperidade, e no máximo a educação, a arte e a cultura fora das cúpulas do poder. Estas direitas como as acções que dela decorrem não são órfãos. Há uma elite intelectual muito conservadora, porém democrática, que Scruton com a sua inteligência e cultura tão bem representou, que vê desvirtuadas as suas reflexões e propostas de debate por arruaceiros ignorantes e corruptos como Trump e Bolsonaro e não se lhes opõe frontalmente, não age como filtro anti-democrático, não sei se por arrogância, se por desinteresse ou mesmo por interesse. O que sei é que estão entre nós – a frase parece paranoide, sim, mas infelizmente, não é.
Em 2022, na última semana de Maio, reuniu discretamente num horto-restaurante, às portas da Quinta do Lago, no Algarve, gente da extrema direita francesa. O encontro teve lugar após o término do serviço de almoço, por volta das 15h00, e reuniu participantes franceses alguns deles residentes e/ou com segundas residências em Portugal, presentes para receber Nicolas Dupont-Aignan, o euro-céptico presidente do Debout de La France, apoiante de Putin, candidato presidencial nas últimas eleições francesas, actualmente a fazer a sua «Tour de France des Solutions». Lembrei-me deste incidente quando ouvi o anúncio de André Ventura.
Recordo o que todos sabemos de cor, a deriva anti-europeia e anti-democrática da Hungria, da Polónia. A fragilidade francesa. O brexit a que um segundo referendo ainda não veio pôr fim. E se é verdade que o apoio à Ucrânia e a condenção de Putin veio avivar o ideal europeu, o fortalecimento da União Europeia e da Nato, também é igualmente verdade que a fractura europeia, qual linha de sismo, se estende.
Resistamos. Não basta saber se calamos. Saber e nada fazer. É preciso debate. Cultura. Informação. Está mais do que na altura de simétrica e organizadamente resistirmos.
A autora escreve segundo a antiga ortografia