Em Novembro do ano passado, aqui, no Observador, escrevi António Costa, vergonha alheia. E fi-lo a partir das declarações daquele sobre a adesão da Ucrânia à UE e a partir dos números da nossa pobreza medida pelo Eurostat.

Devo dizer que não pensei, um ano depois, voltar ao mesmo lugar, mas na sequência da abismante entrevista de António Costa, é incontornável.

Desta vez, António Costa, deu uma entrevista liberto dos constrangimentos dos «casos e casinhos» dos seus governantes e para além das questões da «bolha mediática» – os tais 10% de portugueses que assistem aos canais por cabo. Poderia ter sido uma oportunidade para falar aos portugueses sobre as dificuldades que o país atravessa com a degradação da saúde, da educação, da habitação. Sobre o empobrecimento e a falta de expectativas. Falar dos resultados de oito anos de governação e da direcção governativa futura para, passo a passo, vencer as adversidades. Não é esse o dever de um governante, ter um plano para enfrentar as dificuldades? Uma ideia de futuro? Não foi isto o que aconteceu na Irlanda? Não é isto o que acontece com cada país que nos ultrapassa enquanto decaímos?

O que vimos foi um Primeiro Ministro satisfeito consigo mesmo – como? Anunciador, como sempre o foi, de medidas. Medidas para tudo. Como se as cirurgias se fizessem com o anúncio de medidas, ou as consultas; o número de médicos aumentasse com o anúncio de medidas, o de enfermeiros, ou os próprios serviços se mantivessem em funcionamento com o anúncio de medidas. Como se os professores aparecessem com o anúncio de medidas; as aulas se dessem com o anúncio de medidas. Ou surgissem casas no mercado só porque há medidas anunciadas – no caso, as poucas disponíveis desapareceram após o anúncio de medidas. Ou os rendimentos das famílias aumentassem por anúncio, mesmo uma ideia de futuro para os filhos para além da imigração, fosse possível só porque se anuncia que será possível porque haverá medidas.

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Não há reformas. Ao longo destes anos de governação socialista não as houve.

De um homem para quem a política é navegação por cabotagem não se pode esperar que atravesse o oceano. Pode-se esperar, no entanto, e na ausência de mundivisão e de capacidade de execução das fundamentais alterações estruturais, adesão à realidade. Porém, seja porque a realidade de António Costa é diferente da dos portugueses, ou por uma qualquer razão de mistério, tal não acontece. Pode-se esperar, deve-se, responsabilidade, mas não, apenas o «frustrante dinamismo da realidade». No fundo, António Costa faz um up-grade de «o cão comeu-me o trabalho de casa».

Na manhã seguinte a esta entrevista, estava a passar os olhos pela imprensa estrangeira quando vejo o artigo da Reuters, no The Guardian, sobre as alterações aos benefícios para estrangeiros não residentes anunciadas pelo Primeiro Ministro. Que vergonha. Mas não pelo embaraço de ver esses benefícios plasmados num jornal estrangeiro. Afinal, depois da intervenção da Suécia, que levou anos a pressionar Portugal sobre o regime fiscal dos residentes não habituais, e sem resultados do lado português, já esperava qualquer coisa. Foi a clareza fotográfica do país em duas linhas de texto naquele jornal: Portugal, um dos países mais pobres da Europa ocidental, onde 50% dos trabalhadores portugueses ganham menos 1000 euros mensais, 866 libras.

António Costa tem orgulho nos seus oito anos de governação. Eu tenho vergonha.