Foi aprovado na cimeira de Madrid o novo conceito estratégico da NATO. É o oitavo desde a fundação da Aliança, em 1949, e desde 1991 que este documento define publicamente a visão do mundo e as prioridades de ação da NATO. Vem substituir um documento semelhante aprovado em Lisboa, em 2010, e tem uma primeira vantagem assinável, é sintético, com umas meras 11 páginas!

Que mundo é este?

Uma boa estratégia tem de começar por uma visão correta da realidade geoestratégica, em particular das ameaças. Embora seja provável que o futuro traga surpresas, de um modo geral o documento aponta para um mundo mais conflituoso. O documento é muito claro ao apontar concretamente para a Rússia como a principal ameaça à paz e segurança na Europa. A invasão da Ucrânia é destacada como parte de um padrão de crescente agressividade expansionista da Rússia, e que se estende até para lá da Europa, para o Mediterrânio e o Sul. Para Portugal é muito importante que os países do Sul da Aliança tenham conseguido garantir algum equilíbrio desta visão geoestratégica. Justifica-se especial atenção às ameaças militares convencionais a Leste, mas é importante que o texto sublinhe a atenção às ameaças a Sul, e comprometa a Aliança com a defesa coletiva de todos os seus Estados Membros, numa lógica de 360º, sendo a postura ajustada em função de uma evolução concreta das ameaças.

Embora possa haver quem tema que a ameaça russa a Leste leve a uma certa continentalização da Aliança, a verdade é que, pela primeira vez, a segurança marítima é expressamente referida como uma prioridade no Conceito Estratégico da NATO. É um dado positivo para um país como Portugal, que se empenhou nisso em conjunto com outros países que valorizam esta dimensão.

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Onde as coisas se complicam nesta visão geoestratégica é na gestão da dimensão global da Aliança. Este sempre foi um tema controverso para uma organização de segurança regional, e é abordado de forma vaga, ou por falta de certezas ou por falta de consensos. É certo que é muito significativa a referência pela primeira vez à China num documento deste tipo, mas a postura face a Pequim é ambígua. A China é vista de forma diferente, menos ameaçadora do que a Rússia, mas também não é um mero competidor. É sublinhado que Pequim parece disposto, em conjunto com Moscovo, a usar a coerção e meios militares para desafiar a ordem internacional. A NATO parece temer declarar uma Segunda Guerra Fria e ser culpada de a ter iniciado. Aliás, no documento insiste-se no facto de esta ser uma Aliança defensiva, disposta ao diálogo e para entendimentos, desde que a Rússia e a China mudem os aspetos mais agressivos do seu comportamento.

O que fazer?

Entre as três tarefas fundamentais da Aliança que vêm do Conceito de Lisboa, há uma que agora se destaca: a Defesa Coletiva pela via nuclear e militar convencional. Na verdade, a NATO sempre foi uma aliança sobretudo militar. Ao nível nuclear é sinalizada a atenção aos esforços de modernização de outros, mas prevalece uma mensagem de continuidade. É nas forças convencionais que o nível de ambição aumenta, concretamente nos efetivos e nível de prontidão da reserva estratégica da Aliança para responder a uma ameaça. A Força de Reação Rápida deverá passar de 40.000 para 300.000 tropas, mais 100.000 do que as que a Rússia conseguiu mobilizar para invadir a Ucrânia. Isso permitirá a passagem de um método de dissuasão por presença mínima, para um método de dissuasão por defesa credível. É importante sublinhar que essa força poderá, no todo ou em parte, ser enviada para o Leste (ou para o Sul) da Aliança em caso de ameaça, mas não estará permanentemente baseada lá.

É deixado muito claro que isto não significa um simples regresso ao passado e a uma visão puramente militar dos problemas de segurança. O reforço da resiliência é uma nova prioridade transversal trazido pela primeira vez a este tipo de documento. É um termo que irrita alguns, mas que traduz bem a preocupação com reduzir vulnerabilidades em setores críticos, desde a energia até aos alimentos, passando pela saúde. O documento aponta ainda para a necessidade de os Estados Membros apostarem na inovação tecnológica. Não se pode combater com eficácia no século XXI com armas do século XX. E o espaço e o ciberespaço são ainda apontados como fundamentais para forças que devem ser cada vez mais conjuntas e multidomínio.

Não é deixada cair outra tarefa fundamental, a da segurança cooperativa, das parcerias e da capacitação. Ela foi, aliás, indispensável na transformação das capacidades militares da Ucrânia desde 2014. E é fundamental para que a NATO possa ter uma presença onde não queira envolver-se diretamente com tropas suas. É deixado claro que na gestão destas parcerias irá prevalecer o pragmatismo e a convergência de interesses e valores. A União Europeia surge justamente destacada como parceira principal da NATO, indispensável em todas as dimensões não-militares da segurança. Entre estas três tarefas principais da Aliança, a de gestão de crises é aquela que está menos bem desenvolvida. Teria sido bom ver mais claramente sinalizado que a existência de espaços desgovernados e inseguros, passíveis de ser ocupados por grupos armados dedicados ao terrorismo, à pirataria e a outras formas de criminalidade é um sério risco que deve ser combatido. E a capacidade expedicionária e uma abordagem holística aos conflitos continua a ser vital.

Investir ou não investir na nossa segurança?

Em suma, o documento aponta na direção certa. A parte mais difícil vem a seguir, sobretudo para um país com recursos limitados como Portugal: uma efetiva implementação com os gastos que isso exige. Como o Secretário Geral da NATO deixou claro, o compromisso dos 2% do PIB investido em defesa, sendo desses 20% em capacidades, é cada vez mais um teto mínimo e não um compromisso máximo. Cada vez mais países, em função dos reforços de verbas já anunciados, irão cumprir, a curto prazo, pelo menos um desses objetivos – Portugal está mais próximo dos 20%. O Presidente da República, o Governo e uma parte da Oposição parecem estar de acordo em que se deve aumentar o investimento em defesa. Têm uma ocasião para o fazer com o novo orçamento e com a revisão prevista da Lei de Programação Militar que toca precisamente nas capacidades. O ritmo e o volume a que o quisermos e podermos fazer irá pesar na nossa credibilidade junto da NATO, mas também na capacidade de resposta nacional a todo o tipo de ameaças e emergências. Este investimento, sobretudo em projetos mais amplos com os nossos aliados, poderá também ajudar a nossa economia a modernizar-se e a internacionalizar-se. Também na segurança internacional não há almoços grátis. O que é claro é que a pertença à NATO se traduz num ganho para a segurança de Portugal que nenhum investimento exclusivamente nacional poderia alcançar.