É deprimente. É pior ainda do que tínhamos previsto. É um tormento que só desejo que possa acabar já este domingo, sem reprise pois nada o justifica.

Imagino que muitos leitores não tenham aguentado ver todo o debate “a nove” da passada terça-feira. Só posso manifestar a maior das compreensões por quem, nessa noite, desligou da campanha e daquele palco na Fundação Champalimaud. Os que o não fizeram só podem ter acabado a pensar que o país merecia melhor do que aquilo. E por “aquilo” refiro-me não apenas ao espectáculo de um debate rasteirinho, rasteirinho, mas também a nunca ter havido tantos candidatos presidenciais por onde escolher, mas só ter para escolher entre aqueles que ali estavam (mais Maria de Belém, que não participou).

Já nesta coluna me lamentei, há não muitos meses, do que sentia ser a angústia do eleitor no palco dos presidenciáveis. Isto é, a de com tanta fartura de candidaturas nos arriscarmos a não termos nos boletins de voto uma opção que nos satisfizesse. Aquilo a que assisti na terça-feira confirmou os meus piores receios.

Primeiro, a sensação de que aquele grupo de pessoas vive numa espécie de universo paralelo e num Portugal que só parece existir na sua imaginação. Com excepção de Henrique Neto, nenhum foi capaz de dizer com clareza que se cometeram excessos no passado e, muito menos, que foram esses excessos que nos obrigaram a chamar a troika. Nenhum reflectiu sobre a forma como Portugal escapou ao caminho da Grécia, uns passando uma borracha sobre um passado recente de que não querem falar, como se os seus protagonistas tivessem peçonha, outros apresentando o regresso ao passado como sendo a chave do futuro.

A forma como o tema das 35 horas na administração pública foi debatido mostrou bem a cobardia de uns e a irresponsabilidade de outros. Ninguém, ninguém mesmo, foi capaz de responder frontalmente à questão colocada pelos jornalistas de existirem dois regimes de trabalho na nossa sociedade, o das 35 horas semanais dos que trabalham para o Estado, e o das 40 horas para os que estão no sector privado. O tema escalda, bem sei, tal como sei que ninguém quer correr o risco de alienar o voto dos funcionários públicos. Mas, meu deus, não poderia alguma daquelas almas ter dito ao menos duas coisas muito simples: a primeira, que essa diferença de regimes é iníqua; a segunda, que antes de começarmos a trabalhar menos horas temos antes de gerar a riqueza necessária para pagar as horas a mais de lazer de que vamos beneficiar? Seria isto tão difícil de explicar aos eleitores? Creio que não, mas a verdade é que todos acabaram por se aferrar à estafada conversa dos “direitos adquiridos”.

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Mas houve pior – houve a cavalgada eleitoralista e demagógica em torno das subvenções vitalícias para quem, até 2005, ocupou cargos políticos, um daqueles temas que tem o condão de incendiar a indignação da populaça, pois foi exactamente no registo de quem fala para a populaça que Marisa Matias explorou o filão, elaborando sobre mistificações que fiquei sem perceber se derivam da sua ignorância, se da sua costela populista. O desnorte foi tal que Sampaio da Nóvoa, que dentro da sala perdeu o comboio para esta mina de popularidade fácil, veio logo à saída anunciar que renunciaria à sua subvenção, como se não existisse um regime especial para o ex-Presidentes, até porque deles se espera que continuem a servir a República.

Um debate com nove candidatos à Presidência em que o momento mais alto foi aquele em que Vitorino Silva, o Tino de Rans, se virou para Marisa Matias, lhe agarrou na mão e anunciou que passaria a tratá-la por tu é um debate que nunca saiu ou da insignificância, ou da pequena picardia, ou de proclamações ocas, cheias de vento e vazias de sentido.

No fundo aquilo a que assistimos não foi mais do que uma demonstração, ao vivo, da pobreza desta campanha. Por acção ou por omissão.

Esta devia ter sido a campanha em que se tinha de falar de todas as nuvens que se acumulam no horizonte de Portugal e da Europa, mas aconteceu o inverso, como divagações sobre afectos, elucubrações sobre a nobreza do carácter ou delírios sobre um miraculoso “tempo novo”. Foi a campanha em que se confirmou que Maria de Belém nunca teria asas para voar. Se comprovou que Sampaio da Nóvoa é como um disco rachado a repetir sempre a mesmas frases redondas mas sonantes. Se verificou que Paulo Morais tem uma obsessão, a corrupção, e dela não sai. Ou que Henrique Neto, por mais meritório que tivesse sido o seu esforço para discutir o futuro do país, não conseguiu fazer-se ouvir. Dos outros, dos completos outsiders, não ficará registo para a história, mesmo que o simpático e humilde calceteiro de Rans venha a revelar-se como uma espécie de alternativa ao voto em branco de muitos eleitores.

E claro, houve também Marcelo Rebelo de Sousa. Já escrevi várias vezes sobre ele – quem não escreveu? – e estive agora mesmo a reler uma crónica de há ano e meio sobre aquilo a que chamei “a insustentável leveza do professor Marcelo”. Não lhe alteraria uma palavra, mesmo sendo ela dirigida ao comentador televisivo. Mas ao mesmo tempo que assumo o meu desconforto com as indefinições do candidato e nunca consigo saber até onde vai a sua sinceridade e onde estão as suas convicções profundas em temas políticos centrais, não tenho nenhuma dúvida que existe um oceano de distância entre o que representa, o que sabe, o que viveu, o que conhece, o que pode fazer pelo país e aquilo que nos propõem a generalidade dos outros candidatos. Há sobretudo um mundo que o separa do seu principal adversário, essa invenção da retórica barroca que se chama Sampaio da Nóvoa, um professor que conseguiu chegar a reitor sem ter obtido nenhum dos seus graus académicos em Portugal, um académico que não tem investigação de relevo publicada em revistas internacionais, mas mesmo assim um sedutor e alguém que teve artes de atribuir, como reitor da Universidade de Lisboa, doutoramentos “honoris causa” aos três ex-Presidentes da República que o apoiam.

Portugal e os portugueses podem estar cansados das discussões políticas depois de dois meses de uma tensão e de divisões que não conheciam há décadas, mas a verdade é que não voltámos a estar todos de acordo sobre os melhores caminhos para o país. Não existe esse consenso mole que pareceu resultar dos debates presidenciais, em que ninguém quis fugir daquilo que pensavam que os portugueses queriam ouvir – isto é, que os tempos em que o dinheiro parecia chegar para tudo estão de volta.

Não é assim, tanto mais que a Europa – e Portugal também – não deixaram de estar divididos entre, como descrevia há tempos o Wall Street Journal, “uma cultura que privilegia o sector privado e que acredita que o crescimento sustentado depende das exportações e do investimento e, por isso, enfatiza políticas destinadas a garantir mercados abertos e competitivos e leis laborais flexíveis; e uma cultura baseada no sector público e no poder dos sindicatos que acredita que o crescimento depende de colocar mais dinheiro no bolso das pessoas e, por isso, favorece políticas keynesianas assentes num aumento da despesa pública, no encorajamento do endividamento, na protecção dos empregos e em salários crescentes”.

O que é que o próximo Presidente da República – que creio não deixará de ser Marcelo Rebelo de Sousa, e que só ganhamos se isso se resolver já este domingo – pensa sobre estas clivagens não sabemos. Só sabemos, e mal, o que ele e os outros pensam das subvenções vitalícias, a única coisa que se discutiu nos últimos dias.

Não, Portugal não merecia isto. Muito menos todos os portugueses que, nos últimos anos, pelo que fizeram, inventaram e se esforçaram, nos devolveram alguma esperança de que existe um futuro. Isto não. Isto foi uma campanha fixada no retrovisor.

Nota: Uma versão anterior deste texto designava como “títulos académicos” de Sampaio da Nóvoa o que devia tratar por “graus académicos”.