A lista vai longa: até ao momento já houve 17 portugueses que anunciaram a sua vontade de se candidatarem à Presidência da República. É certo que a maioria ficará pelo caminho, sem sequer tentarem recolher as 7500 assinaturas necessárias. É também certo que alguns mais deverão marcar o ponto, a começar pelo que representará o PCP, que cumprirá galhardamente a sua missão.

Mas deixemos todos esses de parte, e também Paulo Morais, um homem com um discurso tão monotemático – só fala de corrupção – como falho de substância — quando se lhe pedem provas, mostra recortes de jornais. E concentremo-nos nos que já avançaram no espaço do PS e nos que deverão avançar no espaço da coligação. Corremos o sério risco de ficar deprimidos: será mesmo entre este leque de personalidades que vamos ter de escolher? Será mesmo uma delas que irá ocupar a Presidência num momento que se anuncia especialmente complexo e delicado? Não será mesmo possível encontrar, à esquerda e à direita, alternativas mais consistentes?

Vou ser sincero: nada me move, pessoalmente, contra qualquer dos seis candidatos que já estão no terreno ou que ameaçam vir a estar – Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa e Henrique Neto à esquerda; Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes e Rui Rio, à direita. Tenho até um respeito muito especial por alguns deles. Mas, para continuar a ser mesmo sincero, não ficaria – não ficarei – muito tranquilo com qualquer deles em Belém. Posso estar enganado, até porque estamos sempre a ser surpreendidos e o exercício do poder transforma as pessoas (nem sempre para melhor, bem sei). Mas acho que vale a pena explicar-me, um por um, mesmo sabendo que alguns podem ficar zangados, mas sem deixar de sublinhar que serão avaliações políticas que têm como horizonte o Palácio de Belém, não o exercício de qualquer outro cargo de outro relevo e responsabilidade.

Começo, naturalmente, pelos que já anunciaram as suas candidaturas.

Henrique Neto é alguém por quem tenho enorme respeito. Admiro o seu percurso de vida, da forma como se fez empresário à coragem que sempre demonstrou na política, fosse antes do 25 de Abril, fosse quando, completamente isolado no seu partido, ergueu a voz contra as escolhas da governação Sócrates. Sei também que tem ideias para o país, umas com que concordo mais, outras menos, mas que não deixa de expor com frontalidade. De todos os candidatos, é mesmo aquele que mais desenvolveu as suas propostas. Não estou a vê-lo, no entanto, a ter capacidade para se impor num quadro político em que seja difícil formar um governo de maioria e continuar a conduzir com segurança um país que vai continuar a enfrentar muitas dificuldades, e por muitos anos. Suspeito até que duas das qualidades que nele aprecio – a sinceridade e a frontalidade – podem complicar-lhe mais a vida do que ajudá-lo caso chegue a Belém.

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Já Sampaio da Nóvoa é um susto, um pesadelo, um representante do pior das elites nacionais. É um académico pomposo mas sem obra que se veja. Uma figura pública que, em momentos decisivos da nossa vida política, como os de 1974/75, não se chegou à frente. Um orador gongórico que repete frases feitas e lugares comuns. Um político que acha normal ter organizado umas comemorações do 10 de Junho a convite de Cavaco Silva e a seguir saltar para um comício na Aula Magna, ao lado de algumas das figuras mais radicais da esquerda. É mesmo perigoso, pois é um sedutor com tanto de melífluo como de falso. Creio até que a sua óbvia inexperiência e equívoca ingenuidade seriam, se chegasse a Belém, o menor dos males.

A recém-chegada Maria de Belém é uma figura simpática, agradável e moderada, mas que, na verdade, jogou sempre numa espécie de II Divisão da política. Bem sei que chegou a ser presidente do PS, mas esse é um cargo sobretudo honorífico. No cargo público mais importante que exerceu, o de ministra da Saúde, fê-lo sem deixar marca. Sempre me pareceu um peso-pluma, sem vocação para gerir e enfrentar conflitos, mais depressa uma mestre-de-cerimónias do que alguém capaz de se fazer ouvir e fazer seguir. Compreendo, e até aplaudo, que não se tenha rendido à inevitabilidade de Nóvoa, que nos esteja a recordar que o PS não está condenado a seguir na esteira de um imprevisível neófito, para mais com complexos de esquerda – mas isso não chega para fazer dela uma grande candidata.

Quando aos que, à direita, estão no bloco de partida sem saber se arrancam ou não, não posso deixar de me espantar com a ambição presidencial de Pedro Santana Lopes. Talento político não lhe falta, arrojo também não – falta-lhe é perfil, serenidade, contenção para ser Presidente. Não esqueço, não posso esquecer, as muitas trapalhadas associadas a quase todos os cargos que exerceu, com destaque especial para o de primeiro-ministro. E se percebo o seu esforço para, nos últimos anos, se apresentar com uma gravitas que nunca foi seu apanágio, não deixo de reparar na forma como tem aproveitado o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para andar pelo país num frenesim que quase lembra uma pré-campanha eleitoral.

Quanto a Rui Rio, confesso que gosto dele – ou melhor, gosto de muita coisa nele, mas também detesto a forma doentia como encara a liberdade de informação. Sinto que foi um bom presidente da Câmara do Porto, rigoroso nas contas, firme na resistência aos lobbies, paciente no trabalho miúdo de recolocar a cidade no mapa e recuperá-la sem alardes nem exageros, mas com bons resultados. Suspeito contudo que atingiu aí o limite das suas qualidades e capacidades, ideia que reforço ao ler as vacuidades que vai repetindo sobre os males do sistema político. Mais: as suas obsessões, a sua rigidez teutónica e a sua teimosia homérica não me parecem ser as qualidades que mais gostaria de ver no próximo Presidente da República.

Finalmente, temos o inevitável Marcelo Rebelo de Sousa. É das pessoas mais divertidas que conheço, mas ao mesmo tempo é alguém que não sei se se leva a sério a ele mesmo. Gostamos de o ouvir, mas nunca temos a certeza sobre o que é verdade e o que é efabulação. E apesar de o ouvirmos há décadas, sabemos muito pouco ou quase nada sobre o que pensa, sobre quais são as suas convicções profundas e o que quer para o país. É provavelmente demasiado inteligente para ter a boa medida de inteligência emocional que, em última análise, faz a força de um político. É o proto-candidato com mais condições para ser eleito, o mais popular, de longe o mais conhecido – mas ao mesmo tempo o que hesita mais. Ninguém lhe estenderá uma passadeira vermelha até Belém, e sem ela suspeito que ele nem se meterá ao caminho. É por isso que, sabendo tudo, e por isso sabendo demais, deixaria sempre na dúvida aqueles com quem tivesse de trabalhar se fosse eleito: estaria a ser sincero ou estaria a fazer um número, porventura uma intriga?

E pronto. Candidatos e proto-candidatos temos com fartura. Mas teremos alguém capaz de, com todos os defeitos que têm, com todos os erros que fizeram, com tudo o que podemos detestar neles, estar à altura do que foram e representaram Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva? Esta pergunta sintetiza a minha angústia. É que, com toda a sinceridade, não vejo que tenhamos.