Os amigos portugueses me perguntam inúmeras vezes sobre a atual situação do Brasil. É sempre uma conversa tão dolorida quanto complexa. Mas, após a morte do Ministro e Professor Teori Zavascki a semana passada, decidi escrever um pouco sobre o assunto, tentando esclarecer algumas coisas, sobretudo para os estrangeiros.

Não escrevo esse texto como eleitora e tento fazê-lo com o mínimo possível de paixão. Escrevo como professora de Direito Internacional, reservando as minhas opiniões apenas para mim mesma. Este é um mero compilado de informações documentadas para que cada um tire as próprias conclusões.

O Brasil atravessou uma intensa fase de crescimento, fortalecimento econômico e redução das desigualdades sociais nas últimas décadas. Contudo, éramos um país no qual as investigações criminais e ações da polícia quase nunca chegavam nos poderosos. Até que, com a Operação Lava Jato, chegaram. A presidente Dilma Roussef não impediu que as investigações avançassem, atingindo grandes empresários e políticos dos maiores partidos do país, incluindo o PT, partido dela e de Lula, PSDB, partido de Fernando Henrique Cardoso e especialmente o PMDB, partido de Michel Temer.

Em meio a todo este contexto, emergiu a crise econômica e houve uma série de evidentes problemas de administração na gestão de Dilma. Vale lembrar que a presidente pode não ter gerido bem a situação de crise, mas nunca teve seu nome envolvido nas denúncias da Lava Jato. Contudo, centenas de políticos e empresários desejavam com urgência que as investigações cessassem.

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As conversas gravadas entre o senador licenciado Romero Jucá (PMDB, partido do atual presidente Michel Temer) e o ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, Sérgio Machado, semanas antes da votação do impeachment de Dilma na Câmara, registram diálogos sobre necessidade dos mesmos de “estancar a sangria” que a Lava Jato representava para eles, ambos investigados, e tantos outros aliados. Afirmavam ser necessário articular uma ação política rapidamente, e que um eventual governo de Temer poderia ser um grande pacto para “parar tudo”. Jucá ainda ressaltava a necessidade de ter acesso aos Ministros do Supremo, destacando que Teori era um dos poucos inacessíveis, “um cara fechado” como mencionava Jucá.

Como seria possível tirar Dilma do poder, se seu nome não estava envolvido nos escândalos? Foram buscar outro tipo de acusação. A única alternativa viável era acusa-la de pedaladas fiscais (atraso no repasse de verbas públicas para bancos e autarquias, com a finalidade de melhorar as contas federais). Houve muito debate acerca de ser ou não, a pedalada fiscal, um crime de responsabilidade que motivaria o pedido de impeachment.

Entramos então num cenário esquizofrênico no qual dezenas de parlamentares investigados na Lava Jato votavam o impeachment de Dilma, que seria substituída por Temer, igualmente citado dezenas de vezes na operação policial. E foi o que aconteceu. Temer tornou-se presidente, nomeou 24 ministros homens e nenhuma mulher, em pleno século XXI. Destes 24, 15 eram alvos da Lava Jato. Ainda há quem diga que está sendo feita uma limpeza no Brasil. Parece mais uma limpeza relativa àqueles que podem condenar os que detêm o poder político e o poder econômico.

Teori morreu num acidente e agora Temer, em meio a todas as acusações que lhe são imputadas na Lava Jato, indicará um outro ministro para sua vaga no Supremo Tribunal Federal, tal decisão deverá ser aprovada pelo Senado, no qual se encontram outros diversos investigados da operação policial. Este ministro possivelmente será o relator do caso no lugar de Teori, conforme o regimento do STF.

Estou tão desnorteada quanto a maioria dos brasileiros. A única certeza que ainda tenho é que nesse dolorido país- tão cheio de riquezas que interessam aos poderosos do mundo inteiro e que se assemelha cada vez mais com a Colômbia dos anos 80- nada, absolutamente nada pode ser visto como coincidência. Temos um triste passado pela frente.