A política portuguesa tem sido marcada nos últimos 20 anos por um grave problema que em larga medida explica a actual situação: os partidos políticos têm chegado ao poder sem estarem devidamente preparados para governar. Como se costuma dizer, o poder cai-lhes no colo, não é conquistado. Em 1995, Guterres chegou ao governo como resultado do esgotamento do “cavaquismo”. Em 2002, a coligação PSD-CDS foi eleita antes de tempo porque o então Primeiro Ministro estava cansado com o seu partido e aproveitou uma boa oportunidade para se ir embora. Em 2005, o PS beneficiou do desnorte de Santana Lopes e do golpe palaciano de Belém. Por fim, em 2012, o governo de Sócrates saiu porque a “troika” chegou. A política portuguesa parece aqueles jogos onde um jogador diz ao outro ‘quando perderes, entro eu’; e até o outro perder, fica simplesmente a assistir e a torcer para que tudo corra mal. Duas décadas deste jogo levou o país ao desastre de 2012. António Costa prepara-se para fazer exactamente o mesmo. Está a chegar o momento em que o outro jogador (o governo) está quase a perder e por isso ele apareceu e disse ‘agora é a minha vez’. Pelo meio, basta resolver um pequeno detalhe: afastar o líder do seu partido. Seria a repetição do percurso de Sócrates. Seguro faria de ‘Ferro Rodrigues’ e este ‘Pedro’, Passos Coelho, estaria destinado a seguir o destino do outro ‘Pedro’, Santana Lopes.

Deixando de lado a hipótese de Seguro ser o ‘novo Ferro Rodrigues’ (na qual, para ser franco, não acredito), há agora duas diferenças cruciais em relação ao que se passou nos últimos anos. Em primeiro lugar, tudo indica que a actual coligação vai chegar ao fim do mandato. Não vai abandonar o poder (como Guterres), nem chamar a “troika” (como Sócrates), nem tão-pouco ser vítima de um desnorte como o que vitimou a coligação em 2005. Em 2015, apesar das enormes dificuldades e dos erros cometidos, a coligação terá pelo menos um sucesso para apresentar e, espera-se, um projecto para continuar. Ou seja, não abandona o poder, obriga a outra parte a conquistá-lo. E isso conta em política.

Em segundo lugar, não bastará a António Costa (se derrubar Seguro) concorrer às eleições para ser eleito. Nos tempos que correm, não basta ter sido ministro ou Presidente da Câmara, ou ter a imprensa enamorada, ou o apoio do Pacheco Pereira, para chegar a primeiro-ministro. Vai ser necessário mais, muito mais. Sobretudo, António Costa terá que responder a duas perguntas. O que faria ele de diferente em relação aos governos de Sócrates? Não bastará responsabilizar a “crise internacional”. Os portugueses sabem o que aconteceu, como mostram os resultados das eleições europeias e as audiências aos comentários políticos do Mestre Sócrates.

Costa terá também que explicar o que vai fazer para reduzir a despesa e promover o crescimento económico. Não chega dizer que se quer crescimento económico. Todos querem. Será necessário dizer como, sobretudo porque os governos socialistas não se salientaram por fazer a economia crescer; e com condições mais favoráveis do que hoje. Além disso, Costa terá que dizer como vai conseguir crescimento económico sem aumentar a despesa pública.

Se a resposta à primeira pergunta vai obrigar Costa a reconhecer os erros cometidos pelo ultimo governo socialista e a distanciar-se de Sócrates. A resposta à segunda mostrará que um governo de Costa no essencial não terá margem para se afastar das políticas do actual governo. Costa pode dizer o que quiser mas se um dia chefiar um governo terá que afastar-se das políticas de Sócrates e prosseguir o que fez Passos. Compete ao actual governo explicar isto aos portugueses.

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