Rui Rio deu uma entrevista na qual passou dois terços do tempo a falar de uma revisão constitucional. Qual é o português que se preocupa com uma revisão constitucional, com o país a sair de uma pandemia e com o risco de enfrentar uma crise económica e social. Os portugueses estão ansiosos pelo regresso de uma vida normal, estão preocupados com os seus ordenados, com os seus empregos, e o líder da oposição fala de uma revisão constitucional. Além disso, uma revisão que não vai acontecer.

Aliás, a entrevista está cheia de paradoxos. Rio diz que desistiu de acordos com o PS. Cito: “O PS não quer reformas, fiz tudo o que era possível. Parti, então, para uma etapa diferente.” Ora, a mesma pessoa que diz isto, faz uma proposta de reforma da Constituição que só é viável com o acordo do PS.

Rio reafirmou ainda a sua confiança na estratégia de conquistar o eleitorado do centro-esquerda, mas acabou a confessar que tinha sido sobretudo o eleitorado de direita a votar no PSD em 2019.

Por fim, Rio continua a mostrar uma posição ambígua em relação a Passos Coelho. Na mesma entrevista, confessou: “O que Passos Coelho disse é o que estou a fazer.” Mas na semana passada, tinha ordenado aos seus deputados que votassem a favor de um relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Novo Banco que acusa o governo liderado por Passos Coelho de ter cometido uma “fraude política” com a resolução do BES. Rio chamou à acusação de fraude um “pormenor.” Não sei se Rio sabe o que significa a palavra fraude, mas não é seguramente um pormenor. Os futuros candidatos à liderança do PSD já sabem que se definirem a liderança de Rio como uma fraude política, ele considerará isso um pormenor.

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Na entrevista, Rio também não deixa dúvidas que será de novo candidato à liderança do PSD. Aliás, essas são as eleições que lhe interessam verdadeiramente. Rio acredita piamente que sendo líder do PSD será um dia PM. Rio olha para a política portuguesa como uma grande união nacional, composta pelo pelo PS e pelo PSD. Ora governa um, ora governa o outro. Mas, para Rio, é uma união nacional onde o PSD está subordinado ao PS. O PSD não é uma alternativa ao PS, mas sim um substituto. É uma teoria política a que podemos chamar de “teoria do banco dos suplentes.” Os jogadores de futebol sabem que, não jogando, devem estar pelo menos sentados no banco de suplentes. Um dia, vão jogar. Para Rio, a liderança do PSD é o banco de suplentes do PS.

Por causa desta concepção da política, Rio não quer criar uma alternativa ao PS. Pelo contrário, acredita que só chegará ao poder se os portugueses acharem que ele é igual ao PS. Isto explica a sua posição crítica em relação ao governo de Passos Coelho. Rio partilha com os socialistas a visão da deriva “neoliberal” do seu antecessor na liderança do PSD, um dos maiores disparates do discurso politico português.

Rio acha que o caminho para o governo é ser como António Costa e o mais afastado possível de Passos Coelho. Esperemos que esteja enganado. Para bem de Portugal, esperemos que os militantes do PSD o percebam o mais cedo possível.