Rússia e Japão são os dois únicos países que participaram na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e não assinaram ainda entre si um tratado de paz, não obstante o conflito ter terminado há 74 anos. A causa aparente de tal anomalia está na disputa de quatro pequenas ilhas no Pacífico mas, na realidade, em jogo estão decisões estratégicas naquela região e até o futuro político de Vladimir Putin.
Na fase final da Segunda Guerra Mundial, as tropas da União Soviética, devido a compromissos com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, atacaram o Japão, aproveitando a oportunidade para recuperar territórios alegadamente seus como a parte sul da ilha Sacalina e a cordilheira das Curilhas.
Segundo o Tratado de São Francisco, assinado entre os aliados e o Japão, este país deveria renunciar a qualquer reivindicação sobre as ilhas Curilhas, mas também não reconheceu explicitamente a soberania soviética sobre elas. Além disso, Moscovo não assinou esse tratado.
Em 1956, a fim de encontrar uma solução para o problema, o líder soviético Nikita Krutschov propôs um compromisso: a devolução de duas das quatro ilhas Curilhas disputadas em troca da assinatura de um Tratado de Paz, mas Tóquio recusou essa proposta, exigindo a entrega de todas as ilhas.
É de sublinhar que não obstante as quatro ilhas reivindicadas pelo Japão serem pequenas territorialmente, são ricas em minérios e as suas águas são apetecidas pelos seus recursos piscícolas e outros. Além disso, têm grande importância a nível militar.
Esta disputa territorial vem periodicamente à tona pois, embora não influa directamente no desenvolvimento das relações económicas entre os dois países, não permite revelar todas as suas potencialidades e pesa na política interna do Japão. Sempre que um político nipónico ocupa o cargo de primeiro-ministro, uma das primeiras promessas que faz é resolver o problema dos “territórios do Norte”, como são conhecidas as ilhas litigiosas no Japão. O actual dirigente do Governo japonês, Shinzō Abe, não é excepção. Aliás, ele arriscou-se mesmo a jurar que irá solucionar o problema em 2019.
Nos últimos meses, diplomatas russos e japoneses têm realizado numerosos contactos sobre este litígio, mas sem resultados visíveis. Abe tenta convencer Moscovo com as mais diversas promessas, indo ao encontro de alguns receios dos russos: garante que os Estados Unidos não irão instalar nessas ilhas bases, que a solução do problema permitirá uma cooperação mais estreita entre Moscovo e Tóquio para impedir a hegemonia na região e promete garantir os direitos dos habitantes das ilhas. Além disso, acena com possíveis grandes investimentos económicos no Extremo Oriente russo, região com enormes potencialidades mas muitas vezes esquecida pelo Kremlin.
Shinzō Abe e Vladimir Putin concordaram, depois de muitos anos de conversações, tentar resolver a disputa com base na proposta de 1956 mas, até agora, sem êxito, porque ela é interpretada de forma totalmente diferente pelas duas partes. Isso ficou bem patente na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, realizada em Moscovo a 14 de Janeiro. Tóquio continua a considerar que a Rússia deve devolver todas as quatro ilhas e só depois as partes podem assinar o Tratado de Paz. Moscovo, pelo seu lado, insiste agora numa posição ainda mais dura do que a prevista na citada proposta. Em conformidade com a nova política russa, o Kremlin exige que o Japão reconheça os resultados da Segunda Guerra Mundial e acrescenta que, com base nesse documento, não tenciona fazer qualquer cedência territorial aos japoneses.
A proposta russa tem uma explicação simples: mesmo que Vladimir Putin quisesse ceder alguma ou algumas ilhas ao Japão, não o faria, porque a onda de protestos provocada no interior da Rússia levaria ao seu afastamento do poder. Tanto mais num momento em que a propaganda oficial apregoa o aumento do poderio militar da Rússia na arena mundial. Para a maioria dos russos seria uma verdadeira traição, sobretudo da “recuperação” da Crimeia em 2014.
Além disso, e esta razão é quase tão importante como a primeira, se Moscovo ceder abre um precedente muito perigoso, pois tem problemas fronteiriços praticamente com todos os países vizinhos, e não só com a Geórgia ou a Ucrânia.
Está marcada para o próximo dia 22 de Janeiro mais uma cimeira russo-nipónica para dar um novo impulso às conversações, mas os resultados deverão ser poucos ou nenhuns. Se alguma vez quiserem fazer, os dirigentes russos tão cedo não poderão ir ao encontro deste sonho nipónico. É mais fácil acreditar que o Japão se venha a transformar numa república do que na devolução das quatro ilhas das Curilhas pelos russos.