No massacre de Barcelona, participaram mais de uma dezena de jovens muçulmanos árabes, sob a direcção do imã de uma mesquita local. O problema está nas conclusões que não podemos tirar, sem passarmos pela farsa das acusações de racismo e islamofobia: que a imigração muçulmana está a ser usada pelos jihadistas para semear na Europa o sectarismo violento do Médio Oriente, e que a democracia, o pluralismo e o Estado de direito no Ocidente estarão em risco se não houver um controle rigoroso das migrações e uma exigência muito clara aos imigrantes e seus descendentes para se conformarem com os valores, as leis e os costumes das sociedades de acolhimento. Mas quem disser isto, e só por dizer isto, é “racista”.
Os racistas existem. Mas racismo é agora usado da maneira mais discricionária. Vamos entender-nos: racista é qualquer doutrina ou atitude que pressuponha a divisão da humanidade em “raças” e a hierarquização dessas “raças” de modo a excluir algumas delas dos direitos e consideração devidos às “raças superiores”. O que significa que argumentar que membros deste ou daquele grupo, num determinado momento ou lugar, parecem ter um certo problema pode ser verdade ou mentira, mas não é necessariamente “racismo” nem sequer fobia. As sociedades ocidentais, como aqui lembrou Gabriel Mithá Ribeiro, foram aquelas que, no mundo, mais esforço alguma vez fizeram para eliminar a discriminação racial. Mas foram também aquelas em que a denúncia de racismo se tornou um truque barato para marcar pontos políticos. Esse costume tem tido dois efeitos: por um lado, impediu o debate sério sobre qualquer questão que envolva uma “minoria étnica”, como é o caso do terrorismo jihadista na Europa; por outro, tornou muitas dessas questões um exclusivo dos populismos nativistas, o que por sua vez serve à esquerda radical para tentar assimilar a esses movimentos quem quer que repare nos problemas, de um ângulo diferente do seu (o terrorismo jihadista deve-se apenas ao imperialismo americano).
Há muito tempo que a esquerda radical usa a acusação de “racismo” como uma variante de “fascista”: racistas e fascistas são todos aqueles que não são comunistas (na Alemanha dos anos 30, até os sociais democratas eram “sociais fascistas”). Os resultado são tão absurdos como isto: Pedro Passos Coelho é “racista” apenas por sugerir que as fronteiras devem estar fechadas a criminosos, mas Arménio Carlos pode incitar ao ódio contra os funcionários “escurinhos” do FMI. Porquê? Porque Passos é do PSD e Arménio do PCP. Se Martin Luther King ou Nelson Mandela por acaso voltassem e se inscrevessem no PSD, a esquerda radical arranjaria maneira de lhes chamar racistas.
A novidade nos últimos tempos foi a adopção pela esquerda democrática deste método comunista e neo-comunistas de desqualificar os adversários, primeiro com o apodo de “neo-liberais”, agora com o labéu de “racistas”. Em 1975, o PS escusou-se a tratar os que resistiam à hegemonia comunista como “fascistas”. Agora, porém, alinha levianamente na campanha contra o inventado “racismo” da oposição parlamentar. É a medida da sua crescente incapacidade de resistir às redes da esquerda radical.
Com o devido respeito, a esquerda democrática está apenas a desempenhar o papel do proverbial “idiota útil”. Porque este jogo serve sobretudo àqueles que gostariam, um dia, de ver os cidadãos das democracias ocidentais obrigados, como nos anos 30, a escolher apenas entre duas alternativas autoritárias, digamos, para usar exemplos de hoje: ou a Venezuela de Maduro ou as Filipinas de Duterte. Resistir sem medo às suspeitas absurdas de racismo não é apenas um meio de manter a liberdade de espírito necessária para enfrentar problemas como os que derivam das migrações do Médio Oriente: é também um meio de defender a democracia.