A Caixa pediu ao auditor Ernst & Young apara “expurgar” o relatório de auditoria de informação protegida pelo segredo bancário, como se pode ler no Eco. O que significa isso? Quando o Presidente da República anuncia que vai promulgar, sem problemas, o diploma que autoriza o acesso a dados, cobertos por sigilo bancário, dos bancos tiverem sido apoiados pelo Estado, parece uma contradição “expurgar” informação de uma auditoria que vai permitir ao Parlamento identificar os responsáveis pelos negócios ruinosos em que a Caixa se envolveu.

O “expurgo” não pode ser uma espécie de “detergente lava mais branco” para impedir que mais uma comissão parlamentar de inquérito, a terceira sobre a Caixa, obtenha resultados.  Esta nova comissão parlamentar de inquérito tem de voltar a ser aquilo a que nos habituou em casos anteriores, nomeadamente com o BES. E até tem de ser coerente com a coragem que existiu no Parlamento ao aprovar um diploma que, na prática, nos diz que o sigilo bancário não é sacrossanto.

Os deputados, se quiserem, podem ir mais longe do que a simples responsabilização política dos gestores. Podem actuar junto de grandes devedores que não pagam à Caixa mas também a outros bancos – como o Novo Banco ou mesmo ao BCP – quando é até público que o poderiam fazer. Um exemplo escandaloso (perdoem-me a classificação) é o de Joe Berardo. Como nos conta Miguel Pinheiro, Berardo dá-se ao luxo de mostrar, no programa de Manuel Luís Goucha na TVI, o seu palácio. Paralelamente há três bancos, a CGD, o BES/Novo Banco e o BCP que estão com uma perda da ordem dos 900 milhões de euros por empréstimos concedidos a Joe Berardo que não conseguem cobrar.

A carta que Ana Gomes escreveu à Comissão Europeia sobre a CGD, mas também sobre o Novo Banco – que nos vai continuar a exigir dinheiro –, é uma boa fonte de inspiração de medidas que os deputados podem adoptar para que se faça o mínimo de justiça. Estudar a possibilidade de impedir o acesso a fundos comunitários por parte de grandes devedores que deixaram por pagar os seus créditos é uma hipótese que merecia ser avaliada.

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Além disso, os deputados podem, se quiserem, instar o Governo a dar meios ao Ministério Público para acelerar as investigações do caso da CGD assim como do Novo Banco, onde este ano vai ser necessário injectar mais dinheiro. Como nos diz Luís Rosa, a maior parte dos crimes não prescreveu. Mas, se não existirem meios, vão prescrever ou pelo menos vão permitir que os advogados levantem dúvidas sobre prazos – e sabemos como a nossa legislação o permite -, acabando por não se fazer justiça.

Era desejável que os deputados se esquecessem, uma vez que fosse, da suas diferenças e interesses de curto prazo, de gestão do seu eleitorado, e se focassem em identificar os responsáveis, doa a quem doer. E, neste grupo, assume especial relevância o PS, que tem aqui uma oportunidade de ouro para mostrar que não tolera, entre os seus, quem comete irregularidades.

Com a informação disponível neste momento já é possível concluir que o período que gerou mais perdas para a CGD foi o que vai de 2005 a 2007, quando Carlos Santos Ferreira era presidente do banco e Armando Vara e Francisco Bandeira faziam parte da sua equipa. No relatório e contas de 2016 conclui-se que 39,5% das perdas apuradas nesse ano (imparidades) vieram de financiamentos concedidos entre 2005 e 2007.

É nesse período que se inicia o processo da Artlant com a espanhola La Seda; é nesses anos que se financia Vale do Lobo; é nesses anos que se concedem empréstimos que envolvem indirectamente a CGD na guerra pelo controlo do BCP e é nesse tempo que se dá crédito para controlar a Cimpor. Quando Carlos Santos Ferreira passa para o BCP, a administração seguinte da CGD, liderada por Fernando Faria de Oliveira e que vai até 2010, gera igualmente perdas significativas (23,6% dos 5,6 mil milhões de euros de perdas apuradas em 2016), mas já estamos perante erros por omissão, por não decidir acabar com alguns projectos.

Um dos argumentos mais utilizado é o da crise – foi a crise a responsável dessas perdas, dizem alguns dos envolvidos. Essa foi, aliás, a principal linha de argumentação de Armando Vara quando foi à anterior comissão parlamentar de inquérito à CGD. Claro que há projectos que foram arrastados pela crise, que se não fosse a crise poderiam ter tido sucesso. Mas boa parte dos que estão na linha da frente das perdas da CGD seriam sempre um erro. E para se perceber isso é preciso ir ao fundo do projecto, nomeadamente no caso da Artlant, de Vale do Lobo e do financiamento para transformar homens que não quiseram arriscar o seu dinheiro em banqueiros ou empresários.

Se os deputados quiserem, conseguem separar os projectos que foram vítimas da crise – e, por isso, não se pode responsabilizar nem os gestores nem os devedores – e aqueles em que o financiamento foi ditado por outros objectivos que não os de financiar um investimento que foi devidamente analisado e considerado rentável.

É preciso juntar todas as peças do puzzle. Agarrar nos financiamentos que mais perdas geraram – e não chegam a meia dúzia – e reconstruir o processo de decisão assim como as ligações a outros bancos, nomeadamente ao Grupo Espírito Santo. Por essa via, se os deputados quiserem, conseguem perceber quais foram as irregularidades e quem foram os responsáveis. Não vale é a pena considerar que foram todos responsáveis porque isso não é verdade. Na era da troika, especialmente nos anos de 2011 e 2012, pouco ou nada se podia fazer que não fosse evitar o colapso da Caixa e dos outros bancos assim como a implosão das empresas do Estado. É preciso recordar que o empréstimo da troika “esqueceu-se” de contabilizar o financiamento necessário para as empresas públicas.

Mas a CGD tem de colaborar também. A administração da Caixa não se pode escudar no segredo bancário impedindo assim que se identifiquem os responsáveis por aquilo que se fez no banco público. E os deputados não devem atirar as culpas uns aos outros de tal forma que fazendo de todos responsáveis, ninguém é responsabilizado.