Estou convencido que o nosso Estado, se tivesse um nível de corrupção semelhante ao dos países nórdicos e premiasse a competência e integridade em órgãos legislativos e executivos (nacionais, regionais e locais), cumpriria bem a sua obrigação de garantir o bem-estar da população e o desenvolvimento do país.

Na educação deve ser promovida a consciência do primórdio dos valores, da necessidade de contribuir para o bem comum e desta contribuição ser bem gerida. Tarefa que se torna muito dificultada quando, ano após ano, tantos exemplos públicos vão em sentido contrário. E, com raras exceções com uma impunidade total ou relativa – uma vez que os processos se arrastam indefinidamente.

Daí que há muito que a prioridade fundamental e, cada vez mais, urgente em Portugal, é ter uma justiça eficaz. O que depende da qualidade da legislação, dos meios para investigação e, decisivamente, das pessoas que ocupam os diferentes cargos.

Um pecado original pode ser a sacralização do amigo do seu amigo.

Desde a primeira vez que assisti a uma cerimónia de tomada de posse para um cargo público, achei estranha a formulação “cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”. O futuro funcionário não se compromete a ser competente e empenhado na função ou a ter brio no seu exercício. Apenas a ser leal. E a quem?

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Quando o grande elogio que se faz a figuras públicas, com responsabilidade na governação, é que é ou sempre foi muito amigo do seu amigo, compreendemos que acima de tudo está a lealdade a um grupo. Com sorte pode ser que o interesse do país seja coincidente, mas dificilmente se sobreporá ao do grupo. Porque esta lealdade pode obnubilar o entendimento e limitar a ação.

Exemplo? Em março de 2011 José Sócrates é reeleito secretário-geral do partido com mais de 93% dos votos. A investigação a eventuais atividades ilícitas iniciara-se em 2004, num processo com várias decisões e obstáculos na sua investigação envoltos em polémica (transparecendo um triste papel de elementos chave da justiça no caso Freeport). Com que custos reais para o país?

Talvez pelo primado da lealdade, rodeou-se António Costa de muitas pessoas que tinham estado com Sócrates. E assim chegamos ao Governo com maior número de demissões por ano de que há memória.

Ora assumindo que, à partida, quem está em cargos públicos não é corrupto mas sendo inegável que a atividade que exerce é de risco para tentativas de corrupção, porque não se prioriza a transparência e a justiça célere? Até para defesa de quem exerce os cargos, porque o efeito de dissuasão também existirá para os corruptores.

E porque se continua a nomear pessoas sem mérito apenas por serem “leais”? Quem não percebe do que está a gerir é facilmente manobrável e compromete a atividade de organismos públicos em detrimento da sua potenciação.

A integridade na vida pública condiciona tudo. E por isso precisamos de pessoas sérias e competentes, muito mais do que de grandes amigos do seu amigo.

José Gonçalo Marques