Angela Merkel anunciou na segunda-feira da semana passada que deixará a liderança do seu partido democrata-cristão no congresso que terá lugar em Dezembro, tencionando permanecer como Chanceler até às eleições gerais previstas para 2021. Esta notícia tem provocado, como seria de esperar, um vasto número de artigos e comentários na imprensa nacional e internacional.

Basicamente, e também como seria de esperar, as tomadas de posição tendem a agrupar-se em dois sectores: os que defendem o legado de Merkel e os que o criticam. É curioso, todavia, que em regra esses dois sectores concordem na definição do legado que atribuem a Merkel: a defesa de maior integração supranacional da União Europeia. Apenas discordam na apreciação desse legado: uns acham muito bom, outros acham muito mau.

Receio ter de dizer que não subscrevo os termos desse debate. Encontro-me entre os que admiram o legado de Angela Merkel. Mas admiro-o por razões quase opostas às de muitos que o defendem. Não creio que Angela Merkel tenha liderado a causa de sempre maior integração supra-nacional na União Europeia. Creio que ela foi quase sempre uma voz de moderação e prudência (com a possível excepção da declaração de 2015 sobre os refugiados/imigrantes) — e que é por isso que a sua voz vai fazer muita falta no panorama partidário europeu.

A ideia de que todos os problemas da União Europeia se resolvem com mais integração supra-nacional (a chamada ‘ever-closer union’, ou ‘Mais Europa’) não tem sido particularmente distintiva da Alemanha. É uma ideia dominante na chamada ‘bolha’ de Bruxelas, também muito apreciada em vastos sectores gauleses, mas não creio que seja dominante na Democracia Cristã da Alemanha. (Lamento, aliás, que isso não tenha sido, a tempo e horas, devidamente entendido no Reino Unido).

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Essa ideia de sempre maior integração supranacional está hoje a ser clamorosamente rejeitada em todas e cada uma das eleições que vêm ocorrendo nos diferentes estados membros da União Europeia. Mesmo em França, onde o Presidente Macron se distingue como líder da causa supra-nacional, não é seguro que a maioria do eleitorado subscreva hoje essa causa. E foi em grande medida Angela Merkel que refreou o entusiasmo supra-nacional de Macron, após a sua vitória eleitoral nas presidenciais de Abril/Maio de 2017.

Quem irá refrear a vertigem supra-nacional na União Europeia, depois da saída de Angela Merkel? Se ninguém o fizer a partir dos partidos centrais, a maré populista continuará imparável.

PS: ’Fascismo ou Revolução?’ Os ataques ferozes que no Brasil foram dirigidos contra Fernando Henrique Cardoso, (por este não ter apelado ao voto em Haddad contra Bolsonaro nas eleições brasileiras da semana passada), revelam um tique maniqueísta que faz lembrar o PREC português de 1974/75. Nessa época, fértil em ‘intentonas’ e ‘inventonas’ de alegados golpes de estado fascistas, era frequente ouvir dizer que a única alternativa ao regresso do fascismo era a revolução socialista. ‘Fascismo ou Revolução’ era o slogan então usado. Felizmente, a recusa dessa dicotomia infeliz foi entre nós liderada por um socialista moderado chamado Mário Soares.

Ao recusar a dicotomia ‘Fascismo ou Revolução’, Soares tornou possível a consolidação de uma democracia liberal entre nós. E tornou visível na prática política a máxima sempre repetida por Raymond Aron: ‘a democracia é obra comum de partidos rivais’. Façamos votos de que esta máxima possa ainda vingar também no Brasil.