Nos últimos dias, a verdadeira natureza da “bazuca” fez abrir muitas bocas de espanto. Afinal, não vai ser um aguaceiro de dinheiro gratuito. É uma concessão financeira com condições. Tal como foi o empréstimo da troika de 2011. Aparentemente, muita gente acreditou mesmo que os almoços tinham voltado a ser grátis depois de 2015. Mas não repararam nas cativações e nos cortes de investimento de Mário Centeno?

Há 26 anos que a governação socialista pôs Portugal numa rota de declínio económico. Não é difícil de perceber porquê. A economia é a liberdade dos cidadãos para trabalharem e investirem, e aproveitarem os frutos desse trabalho e investimento. Quando o Estado diminui essa liberdade, a economia funciona naturalmente pior. O agravamento de impostos e de constrangimentos regulatórios fez de Portugal  um dos países europeus onde o esforço fiscal é maior e o mercado de trabalho é mais rígido. A ocupação do Zmar pelo Estado foi apenas a mais recente prova de que em Portugal só o Estado tem direito à propriedade. Não, não é por azar que Portugal é ultrapassado todos os anos por mais um dos Estados antigamente miseráveis da Europa de leste. Portugal já foi o país mais pobre da Europa ocidental. Está agora a caminho de ser o país mais pobre de toda a Europa.

O endividamento permitido pelo euro serviu, durante uns anos, para esconder o estrangulamento do país. Mas não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo. Em 2010, os investidores deixaram de acreditar em Portugal e de financiar os défices. Poderia ter começado aí outra vida. Não começou porque em 2011-2012, as instituições europeias substituíram os investidores e passaram a financiar directamente o Estado português. Desde então que é assim, porque mesmo quando a dívida é contraída junto de privados, esses privados sabem que não estão a lidar de facto com o Estado português, mas com o BCE, que, através de vários esquemas, garante os empréstimos. Nem por isso, porém, o dinheiro voltou a correr à vontade. Por detrás das instituições europeias, estão os cidadãos que, na Europa, poupam. Como seria de esperar, esperam que o dinheiro seja doado ou emprestado com condições. Os défices, por exemplo, têm de ter certos limites. E agora, parece que o governo português teve de se comprometer a mudar várias coisas no país para receber mais dinheiro.

Nada há aqui que devesse surpreender. A troika nunca de facto se foi embora, porque Portugal continua totalmente dependente das duas principais instituições que a compunham, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Essa dependência não é uma fatalidade histórica: é o resultado da governação socialista apoiada por comunistas e neo-comunistas. Em 2016, essa governação tomou uma decisão histórica. Passada a emergência financeira, podia ter devolvido recursos ao país, para os portugueses explorarem oportunidades e fazerem a economia crescer sustentadamente. Em vez disso, preferiu manter a carga fiscal, e aproveitar a folga para saciar aparelhos partidários e potenciais clientelas eleitorais. As 35 horas da função pública são um símbolo. A partir daí, tudo se tem desenrolado numa sequência muito lógica. Esta semana, o país alcançou mais um recorde de dívida pública em proporção do PIB. Não, essa dívida não é a medida da epidemia. Portugal foi um dos países em que o Estado menos apoios deu aos lesados dos confinamentos. A dívida mede sobretudo a inviabilidade do poder socialista sem a caridade europeia.

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Até este ano, António Costa e os seus aliados comunistas e neo-comunistas só precisaram de apresentar em Bruxelas um certo valor do défice para garantirem o financiamento europeu. Ninguém, na UE, parecia ralar-se muito com o modo como esse valor era obtido. Agora, parece que se espera do governo contrapartidas a que até se deu o nome de “reformas”. Para salvaguardar o acesso ao dinheiro, o PS já se comprometeu com essas condições. A questão que ocorreu a toda a gente foi a mesma que agora suscita cada Orçamento: vão comunistas e neo-comunistas votar as contrapartidas que tiverem de ser votadas?

O poder socialista tem um remédio, ou melhor, um meio de disciplina dos seus amparos comunistas: a possibilidade de trocas ocasionais de apoio, com os partidos da direita a substituir os da esquerda. É talvez para acautelar essa hipótese que a oligarquia socialista insiste agora na questão do “extremismo” do Chega, de modo a forçar PSD e CDS a isolarem-se do resto da direita. O que quer dizer que qualquer alternância no poder em Portugal pressupõe uma grande clareza da parte do PSD e do CDS: ou o PS governa com o PCP e o BE, ou não governa. Sim, é preciso um “cordão sanitário” — mas à volta do PS. Não, não é fácil “isolar” quem manda. Mas é disso que depende uma mudança em Portugal.

Não vale a pena insistir em que as mudanças são inevitáveis, como faz esta semana mais outro estudo sobre a “insustentabilidade” das finanças públicas. As coisas não acontecem só porque têm de acontecer. Acontecem quando há forças políticas capazes de apontar o problema e de serem a solução. Quem pretende ser alternativa ao poder socialista tem de começar por ser capaz de dizer que o problema são 26 anos de agravamento de impostos e de constrangimentos, e que a solução tem de ser mais liberdade; ou, dito de outra maneira, que o problema são 26 anos de poder socialista, e que a solução tem de ser uma nova maioria. Não chega? Pois não. Mas sem isto, nada mais chegará.

Até agora, os que tentam explicar a hegemonia socialista recorrem ao argumento de que em Portugal a maioria do eleitorado está contra qualquer mudança. O argumento tem logo uma falha no facto de, a haver uma maioria em Portugal, essa maioria ser a dos que não votam, não a dos que votam no PS e nos seus apoios. Em Madrid, votaram 71% dos eleitores; em Portugal, nas últimas legislativas, 48%. Para mobilizar os abstencionistas, não há alternativa a uma justa dramatização. Em Madrid, Isabel Diaz Ayuso ganhou com uma escolha simples: ou Comunismo ou Liberdade. Em Portugal, conviria ser mais exacto: ou Socialismo ou Liberdade. Dizem-nos agora que Portugal não é a Espanha, e que Lisboa não é Madrid. Acredito. Mas só por Portugal não ser a Espanha ou Lisboa não ser Madrid, não quer dizer que em Portugal ou em Lisboa socialismo e liberdade sejam compatíveis. Não são, nunca foram. Nem em Madrid, nem em Lisboa, nem em lado nenhum. Enquanto em Portugal a oposição não for capaz de confrontar o país com essa escolha, o poder socialista continuará.