Numa altura em que as minorias são claramente usadas como armas políticas e como parte de estratégias eleitoralistas, os reclusos passaram a constar dos programas eleitorais. Independentemente da intenção, trata-se de um assunto escondido e que urge abordar, por envolver o respeito pela dignidade humana.

Recentemente o tema da Justiça Restaurativa ou Reparadora foi abordado numa proposta do PAN: “Permitir sessões semanais de reconciliação entre reclusos condenados por crimes violentos, com excepção dos crimes de violência doméstica ou violação, e familiares das vítimas ou com as próprias vítimas”.

Já a proposta do Chega, propõe a reversão do sistema penal português, introduzindo a pena perpétua para crimes graves.

A proposta do PAN é extemporânea, não se adequa à realidade. Este processo tem de ser gradual. Ou seja, é uma violência sem frutos pôr em contacto directo vítimas e agressores; deve começar-se, sim, por pôr em contacto vítimas e agressores de crimes idênticos, sem envolvimento dos agentes directos e sempre com cuidadosa análise do seu perfil psicológico e acompanhamento por profissionais qualificados.

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Por outro lado, a pena perpétua não é compatível com a nossa cultura ocidental, baseada no perdão cristão, revogador da lei de Talião, por reconhecer ao Homem a possibilidade de conversão e o direito a uma segunda oportunidade.

Mas, mais do que dissertar sobre o tema, impõe-se a partilha de casos reais.

Apenas cinco semanas depois de ser vítima de um assalto violento à sua residência, aquele casal septuagenário passou na paragem de autocarro junto do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), onde Carlos (agressor no passado) permanecia; perguntou-lhe o destino e deu-lhe boleia. Carlos ficou agradecido. Ia casar, estava feliz, tinha passado dezoito anos preso, com cúmulos jurídicos. Passou por todas as fases que passam os miúdos que vivem, respiram e transpiram a lei da rua. Carlos e o casal tinham concluído um Círculo Restaurativo no ISCSP, reunindo vítimas de crimes com moldura penal idêntica e ex-ofensores que cumpriram pena em Estabelecimento Prisional (EP). Uma iniciativa no âmbito do projecto Building Bridges (JUST/2013/JPEN/AG/4479), que juntou seis países europeus pertencentes à maior associação do mundo de voluntariado prisional – Prison Fellowship International –, a Universidade de Hull e o Centro de Investigação Makam Research, com o apoio da Comissão Europeia.

Num outro espaço físico, Isabel – vítima de brutal violência doméstica com tentativa de homicídio –, participou num Círculo Restaurativo durante oito semanas que reuniu, dentro do EP do Linhó, cinco vítimas de violência doméstica e diferentes tipologias de assalto, com reclusos a cumprir penas por crimes semelhantes. Todo o processo culminou na cerimónia de consagração, na presença de amigos e familiares das vítimas e agressores por si convidados. No evento, todos escreveram uma carta ao seu agressor e vítima directa e foi com assombro que se percepcionou a catarse da culpa em responsabilização, com troca de abraços fraternos, lágrimas genuínas que teimaram em se libertar dos olhos presentes, por nunca terem presenciado o poder de um simples “peço desculpa!” (95% das vítimas apenas precisa de ouvir estas palavras), com os testemunhos de um verdadeiro arrependimento e reencontro interior e com o Próximo.

São apenas dois exemplos, resultado do projecto Confiar – Associação de Fraternidade Prisional, PF/Portugal – uma IPSS de Utilidade Pública. Conta com o apoio científico do ISCSP-Universidade de Lisboa, onde foi criado um Observatório e Centro de Competências em Justiça Restaurativa, da Câmara Municipal de Cascais, que cedeu as instalações para um Centro de Apoio Familiar e uma Casa de Transição para a liberdade, e da Direcção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, que facilita a colaboração da sociedade civil.

Como corolário, foi assinado um Protocolo para a Prevenção, Inclusão e Reinserção de pessoas reclusas, bem como o apoio e acompanhamento dos seus filhos, familiares e vítimas. Setenta por cento dos filhos de reclusos não quebra o ciclo do crime; mas quem passa por Círculos Restaurativos vê diminuídos os comportamentos agressivos, ganha consciência do mal que fez aos ofendidos, arrepende-se do seu erro e diminui a reincidência no crime.

Trata-se de um caminho de verdadeira inclusão, fundamentado e alicerçado em legislação adequada e que deve ser posto em prática, para que se altere definitivamente o paradigma punitivo, baseado apenas no erro cometido, numa tentativa de reparação de vidas que foram interrompidas, apostando na responsabilização do infractor e no restabelecimento de uma consciência do Próximo e do Bem Comum. Os resultados são tão animadores e positivos que a Justiça Restaurativa está a ser introduzida em escolas, empresas e bairros problemáticos.

De ressalvar também que os actuais custos com reclusos são elevados – cerca de vinte mil euros de custos directos/ano por recluso (13.000 reclusos), sem contabilizar tribunais, polícia, investigação. Ora, atendendo ao contexto financeiro do País, importa actuar na prevenção de comportamentos desviantes em populações de risco e na maior e melhor preparação destas pessoas para a liberdade, diminuindo também as taxas de reincidência, que rondam os 70 a 80% em todo o mundo (em Portugal não há números oficiais sobre ao assunto).

Os reclusos e suas vítimas devem ser vistos como o que são: pessoas na sua inteira dignidade que devem ser respeitadas. Quanto ao recluso, o cumprimento da pena deve resultar na conversão e a sua libertação na integração; a vítima deve ser respeitada na sua dor e no tempo que necessita para a atenuar, não se vendo envolvida em estratégias de engenharia social sem fundamentação científica.

Trata-se de uma visão partilhada com várias instituições públicas, empresas, IPSS e a sociedade civil, que pretende encontrar soluções para um problema que é de todos e que a todos afecta. Não basta cumprir a lei, é urgente o Amor, porque todo o Homem é maior que o seu erro!

Presidente da Direcção da Confiar-PF/Portugal; Membro Executivo do Observatório e Centro de Competências em Justiça Restaurativa Professor de Ética

O autor rejeita o AO 90

LEGISLAÇÃO: Regime de Mediação Penal, criado pela Lei nº 21/2007, de 12 de Junho – Regulamento do Sistema de Mediação Penal, aprovado pela Portaria nº 68-C/2008, de 22 de Janeiro – Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro – Constituição da República Portuguesa – Código Penal – Código de Processo Penal – Recomendação nº R (99) 19, aprovada pelo Conselho da Europa, em 15 de Setembro de 1999, sobre mediação penal – Directiva 2012/29/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão Quadro n.o 2001/220JAI, do Conselho da União Europeia, de 15 de Março de 2001,