No artigo que escrevi em dezembro de 2021 sobre as previsões para economia em 2022, não estive muito longe da verdade no que diz respeito à belicosidade da Rússia, ao regresso da inflação, que por essa altura já começava a dar sinais de aceleração antes mesmo da invasão da Ucrânia pela Rússia, e à desaceleração da China, de facto mais intensa do que antecipado devido à política “Covid Zero” que Beijing só abandonou nas últimas semanas. As minhas expetativas mais negativas nessa altura vieram, infelizmente, a concretizar-se.

Pelo lado positivo, acreditei que haveria um reforço das políticas para a transição energética, o que se veio a verificar, não só na Europa, devido à urgência de substituição do gás e do petróleo russo, como nos Estados Unidos com o novo Inflation Reduction Act do Presidente Biden. No capítulo dedicado às energias renováveis e à transição climática a Administração prevê gastar quase 400 mil milhões de dólares nos próximos dez anos. Para efeitos de comparação, o pacote Europeu do Plano de Recuperação e Resiliência dedicado a investimentos ambientais até 2026 é inferior a 300 mil milhões de euros.

Mas em 2021 não identifiquei o que viria a ser um sinal político importante na Europa: a capacidade de resposta conjunta à guerra na Ucrânia, que, apesar dos altos e baixos, tem sido razoavelmente constante e liderada por uma Comissão Europeia muito determinada. Sobretudo no que diz respeito às sanções à Rússia, o consenso que foi possível alcançar nesta crise foi superior ao que a maioria dos analistas poderia ter antecipado, especialmente considerando o impacto que tiveram sobre o mercado energético e a dependência energética da Alemanha e do Leste da Europa face à Rússia até ao ano passado.

Não falei sobre o Brexit, que pensei estar num processo de consolidação, não especialmente positivo para o Reino Unido ou para a Europa, mas a caminho de uma relação mais estável. A confusão política que o Reino Unido viveu no Outono, com impacto nos mercados financeiros, pareceu mais ser um clássico italiano do que britânico, embora a situação aparente estar, por agora, sanada.

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Pela negativa, o meu otimismo sobre as relações transatlânticas entre a Europa e os Estados Unidos foi prematuro. Com o abrandamento da pandemia, acreditei que o comércio internacional pudesse retomar com maior normalidade e que a criação do Conselho de Comércio e Tecnologia seria o princípio de uma reviravolta face à política da anterior Administração americana.

No entanto, o Presidente Biden revelou-se mais protecionista do que eu antecipei.

Desde logo, implementou uma das políticas mais restritivas ao comércio tecnológico com a China, impedindo até cidadãos americanos de trabalharem em fábricas chinesas específicas. Fê-lo, apesar de tudo, com base em argumentos, atendíveis, de segurança nacional. No entanto, no quadro do Inflation Reduction Act, implementou medidas protecionistas, especialmente no setor automóvel, apoiando a compra de carros elétricos desde que sejam fabricados nos Estados Unidos. Neste caso não existe grande justificação para além da proteção da indústria automóvel americana face à concorrência internacional.

Este ano que está a acabar desvendou as tensões que estavam escondidas nos últimos anos: o reconhecimento dos problemas de segurança económica e política da China face aos Estados Unidos e à Europa, os efeitos trágicos para a Europa da aspiração imperialista de Putin e da sua entourage, que até este ano nunca tinha sido enfrentada, e a formalização de uma política americana mais protecionista, independentemente da Administração que lá esteja. Parece assim ser um ano charneira para novos tempos, mais difíceis, em que as regiões estarão mais isoladas.