O estado do Estado é semelhante ao daquelas empresas em que, para resolverem o problema financeiro, deixaram a produção e os clientes ao abandono. No caso das empresas ainda podemos escolher outro fornecedor, o que não acontece com os serviços públicos. Andamos mais de oito anos, liderados por António Costa, a bater no peito em defesa dos serviços públicos, acusando quem alertava para os problemas de ser contra o Estado Social, e nunca como hoje os tivemos tão degradados, incluindo aqueles que estão no núcleo central da soberania. O problema é que com a instabilidade política que vivemos não existem condições para concretizar políticas a médio e longo prazo. Mesmo que tentemos não ser pessimistas, é muito difícil ver como é que vamos sair deste problema.

Fizemos um caminho de correcção financeira desvalorizado toda a vertente operacional de funcionamento do Estado a prazo. E hoje faltam professores – são 34500 em défice até 2030, segundo o estudo da Nova SBE -, faltam médicos e enfermeirosfaltam juízes, oficiais de justiça e funcionários judiciais, faltam polícias, faltam militares, faltam enfim funcionários em quase todos os serviços e não há quem não se queixe e que o cidadão não veja que tem razão, pelo menos porque não consegue uma interação eficiente com o Estado.

Apesar de toda esta falta de recursos humanos, nunca tivemos tantos funcionários públicos. Se olharmos para as estatísticas do emprego público, temos hoje mais funcionários públicos do que em 2011, quando a troika diagnosticou um excesso no peso das despesas com pessoal. Em dezembro de 2011 tínhamos 727.701 funcionários na Administração Pública, atingimos o mínimo de 656.363 em dezembro de 2014 e desde essa altura foi sempre a subir. Em Março deste ano, de acordo com os dados disponíveis, são 748.870 as pessoas que trabalham para o Estado ou administrações locais e regionais, quase mais cem mil pessoas que em 2014 e 75% das quais na administração central.

Se existissem condições políticas, deveríamos tentar perceber se não estamos a contratar pessoas para onde não são necessárias, deixando sem recursos áreas essenciais que vão das funções de soberania à educação e saúde. Não é uma tarefa fácil, mas seguramente que existem serviços duplicados, um trabalho que alguns governos anteriores a António Costa tentaram fazer mas que nunca terminaram. Depois temos a proliferação de estruturas de missão que tentam ultrapassar a falta de resposta dos serviços que, por sua vez, não respondem ou por falta de recursos ou, temos de admitir, por falta de competência ou mesmo por razões políticas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A partidarização da administração pública tem dado, seguramente, um importante contributo para esta falta de eficiência da administração pública, porque é disso que se trata. Há certamente áreas com excesso de pessoal ou onde os PSD foram substituídos por PS que por sua vez são substituídos por PSD, sempre com entrada líquida de pessoas. Enquanto os que não estão no poder ficam sem fazer nada.

Com o problema da partidarização e com a estratégia que foi seguida de redução do défice pública, estamos agora à beira do precipício. Não houve tempo nem vontade política, em oito anos liderados por António Costa, para começar a resolver um problema que já se sabia que ia acontecer como é o caso dos professores e dos médicos.

Como não existe estabilidade política e o Governo de Luís Montenegro vai focar-se em reforçar a sua frágil maioria, as medidas que sobram são remendos que apenas aumentam a despesa sem nada resolverem a médio e longo prazo, pelo menos na maioria dos casos. Ainda assim é possível encontrar alguns bons exemplos. Um deles é o pagamento de propinas a dois mil jovens que ingressem em cursos que formam professores. Custará dinheiro, mas é o preço de não planear.

Sempre que possível devemos tentar olhar o futuro com optimismo. Mas neste caso é muito difícil. O sistema tem todos os incentivos para que a degradação dos serviços públicos continue o seu caminho, agravando as desigualdades no acesso à saúde, à educação e à justiça. Temos hoje um Estado que paga subsídios por um lado para alimentar as desigualdades pelo outro.