Desde cedo aprendemos que o nosso dinheiro pode ter dois destinos: o consumo e a poupança. Todos nos lembramos daqueles almoços de fim de semana em que os nossos avós nos davam, assim como quem não quer a coisa, um dinheirinho para gastarmos num gelado. Os dez euros chegavam e sobrevam para mais do que um e, tudo o que não fosse gasto, deveria ser guardado no mealheiro. Na prática, o que aprendemos é que a fração do rendimento que não se destina ao consumo é poupado e investido para gerar um retorno futuro.

Segundo a Pordata, o rendimento médio disponível das famílias tem vindo a aumentar consecutivamente desde 2014, representando no final do ano de 2021 cerca de 38.000€. Por outro lado, a taxa de poupança das famílias (isto é, a percentagem do rendimento disponível que as famílias não gastam, e por consequência, poupam) representou, no final desse mesmo ano, cerca de 7,7%. Face a 2020, o valor do rendimento disponível aumentou cerca de 11pp enquanto a taxa bruta de poupança diminuiu quase 3pp. No último relatório divulgado pelo Eurostat, a tendência relativamente à poupança parece manter-se: a taxa de poupança no terceiro trimestre de 2022 situava-se nos 0,24%, muito longe dos 4,17% no trimestre anterior. Este valor é o mais baixo de sempre e cerca de 32 vezes abaixo do registado apenas há um ano atrás. Entre os países da Zona Euro, Portugal é o país com a taxa mais baixa, muito atrás da média europeia situada nos 13,24%.

Nos últimos anos, se é verdade que as famílias portuguesas têm contado com mais rendimento disponível, também é verdade que têm poupado cada vez menos. A justificação para a queda abrupta da poupança (intensificada no último ano) é, mais ou menos, intuitiva: o aumento persistente dos preços dos bens e serviços e a consequente deterioração do poder de compra, leva grande parte das famílias portuguesas a utilizarem as suas poupanças em consumo. Ainda assim, existem famílias que conseguem poupar e que, no final de cada mês, se questionam: O que fazer com este dinheiro?

O efeito do aumento dos preços está a durar mais do que o esperado. A situação inicialmente transitória reportada pelo BCE no início de 2022 tornou-se, em poucos meses, bem mais séria do que o esperado. Apesar dos aumentos significativos das taxas de juro de referência, a taxa de remuneração dos depósitos praticamente não se alterou. Com exceção de alguns instrumentos financeiros, como é o caso dos Certificados de Aforro, o incentivo para os aforradores portugueses é praticamente inexistente. Segundo o Banco de Portugal, a taxa de juro para novos depósitos de particulares até 1 ano era de apenas 0,31%, um valor bastante distante da média dos países da Zona Euro, onde os valores ascendiam, em novembro de 2022, a 1,12%. Apesar de Portugal ter, tendencialmente, remunerações de depósitos abaixo da Zona Euro, a diferença tem-se vindo a acentuar: em novembro de 2017, a diferença estava em apenas 0,14pp (vs 0,81pp atualmente).

Para o tipo de pessoa que gosta de olhar para a estrada antes de atravessar a passadeira, optar por produtos em que o capital investido é garantido é, de facto, a melhor solução. O mercado bancário não está a ser suficientemente competitivo em Portugal e os particulares tendem a mudar as suas poupanças para outros instrumentos (veja-se o caso dos Certificados de Aforro cuja procura aumentou para máximos desde 2006). Apesar de apresentar uma taxa muito superior à dos depósitos bancários (visto que a taxa de juro está indexada à Euribor 3M e que, atualmente, conta com um teto máximo de 3,5%) não será de estranhar que a remuneração deste instrumento alterada em breve. Isto porque, no passado, as series dos Certificados de Aforro foram alterando (atualmente na Série E) para valores de remuneração tendencialmente inferiores.

O passado recente mostra-nos que o aumento do rendimento disponível não provoca, diretamente, o crescimento da poupança e que esta é altamente afetada pelo crescimento do consumo. As medidas anti-inflação começam a ter os primeiros efeitos e é expectável uma estabilização do consumo e das taxas de juro. Ainda assim, é necessário garantir que as famílias portuguesas têm as mesmas condições que as restantes famílias europeias no que respeita a remuneração de poupanças. É incompreensível que um país regulado pelo mesmo Banco Central tenha taxas de juro remuneratórias tão abaixo da média europeia e esteja na cauda da Europa em termos de poupança. A necessidade de aumentar a remuneração dos depósitos e a atratividade da poupança é cada vez maior, sob pena de, um dia destes, as famílias preferirem (se é que já não preferem) ‘zerar’ as suas poupanças nos bancos portugueses. No combate à escalada dos preços, não é desejável incentivar o consumo e a principal maneira de o fazer é não dificultar a poupança. E se não podemos garantir que dez euros sejam suficientes para comprar um gelado no futuro, devíamos, pelo menos, garantir que os portugueses terão mais do que dez euros no banco para comprar esse gelado.

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