A Europa em particular e o mundo em geral estão concentrados em prevenir o contágio do coronavírus e em adoptar medidas que garantam meios aos serviços de saúde e apoio às empresas e pessoas efectadas. Um abalo que nos apanha, em Portugal, numa fase pouco estável.
Por aqui revelam-se outras frentes de preocupação, como o estado de bloqueio do Governo no que diz respeito aos seus projectos, como o novo aeroporto, a linha circular do Metro de Lisboa ou a escolha dos juízes do Tribunal Constitucional. Um sinal de pouca estabilidade, que já preocupa o Presidente e justificou um fim-de-semana de frenesim político. Tivemos a entrevista do número dois do Governo, Pedro Siza Vieiera ao Expreso e do primeiro-ministro ao Público e, pelo meio, os alertas do Presidente da República. Tudo em torno do apelo ao regresso da gerigonça para que a governação não seja posta em causa, nas palavras de Siza Vieira.
Este sintético olhar para estes últimos dias dá-nos o sinal de que estamos a ser apanhados pelo surto do coronavírus numa altura de governação, no mínimo, pouco estável. Em que o Governo (e o Presidente) parecem gastar energia a garantir a estabilidade governativa. Não é disso que precisamos, até porque corremos um risco sério de ser um dos países mais afectado pelos efeitos económicos do Covid-19.
Os cenários mais benévolos, de um pequeno abalo nos primeiros meses do ano, começam a desvanecer-se do horizonte. Neste momento, o contágio ainda não começou a diminuir na Europa (nem no Mundo) e vivemos mais um fim-de-semana de notícias alarmante vindas de Itália. O governo italiano decretou o isolamento de toda a região da Lombardia e de mais algumas regiões adjacentes, colocando 16 milhões de pessoas ou o equivalente a um quarto da população sitiada. Estamos a falar da região mais produtiva de Itália e uma das mais produtivas da Europa. É, neste momento, um dado adquirido de que a Itália e a França vão entrar em recessão. O ano de 2020 perspectiva-se muito pouco positivo, para não dizer negativo.
Os primeiros dados dos efeitos económicos começam a surgir, assim como as primeiras análises e projecções dos economistas. Além do medo que os mercados accionistas expõem, com o dinheiro a deslocar-se para os títulos de dívida pública e para o ouro, tivemos a semana passada a inesperada descida em meio ponto percentual da taxa de juro da Reserva Federal. Esta semana aguarda-se pela decisão do BCE. Embora seja unânime entre os economistas que os bancos centrais pouco podem fazer.
Neste trabalho “Economics in the time of Covid-19” podemos ler as primeiras avaliações sobre os potenciais efeitos deste ataque viral e sobre o que podem fazer os governos. As medidas não são muito diferentes das que são igualmente defendidas pelo FMI, num artigo assinado por Vítor Gaspar.
Comecemos pelos efeitos. Estamos perante aquilo que, em linguagem económica, corresponde a um choque do lado da oferta e da procura. O lado da oferta corresponde à ruptura nos canais de distribuição. As fábricas encerram por via da doença ou risco de contágio de quem lá trabalha e estas, por sua vez, desencadeiam o encerramento de mais fábricas por falta de material para produzir. Este impacto começou na “fábrica do mundo”, a China, que está a colocar-se de novo de pé. Levando tempo, este efeito na oferta no domínio da produção pode levar, segundo os economistas – veja-se especialmente o artigo de Catherine L. Mann -, a uma crise em V, ou seja, uma queda da actividade económica com uma rápida recuperação assim que o pior da epidemia passar.
O mesmo já não se pode dizer sobre a actividade económica do sector dos serviços, com relevo para as viagens e turismo. O vector mais forte da quebra de actividade é, nos serviços, o lado da procura. A razão pela qual, por exemplo, as companhias aéreas estão a cancelar voos é a falta de procura. E aqui a recuperação não ocorrerá – teremos aquilo que os economistas designam como uma crise em L. Quem cancelou a viagem não a vai fazer ou, se a fizer mais tarde fará apenas essa. Ou seja, todos os negócios ligados às viagens e turismo terão este ano uma facturação mais baixa, não podendo, ao contrário das fábricas, recuperar o seu nível de produção.
Estando a economia portuguesa muito suportada pelas actividades ligadas ao turismo – que vão desde os hotéis e restaurantes, às viagens -, os efeitos mais negativos que o coronavírus tem neste sector significa que poderemos sofrer um impacto superior ao dos países que têm as suas economias mais baseadas na indústria. Os últimos dados do INE, de 2017, dizem-nos que sector do turismo emprega quase 10% da população e representa quase 14% do PIB. E mais de metade da exportação de serviços em 2019 veio das viagens e turismo, como se pode ver nas estatísticas da balança de pagamentos.
Somos, assim, um país especialmente vulnerável ao impacto económico do coronavírus. E como as características da nossa oferta turística é igualmente baseada em micro e pequenas unidades, algumas delas familiares, as medidas têm de ser desenhadas a pensar em pequeno e não em grande.
Além das medidas que consagram o pagamento do salário por inteiro a quem, no público ou no privado, tiver de ficar em casa por causa do coronavirus, o primeiro-ministro anunciou uma linha de crédito de 100 milhões de euros. O problema do financiamento é que não resolve o problema dos negócios que não vão recuperar facturação, como acontece com as actividades do turismo. Vai ser preciso ir mais longe, equacionando medidas como redução de impostos e adiamento de alguns compromissos fiscais como já se está a fazer na China ou na Coreia.
O artigo que o FMI publicou, assinado por Vítor Gapar e Paolo Mauro, dá importantes pistas sobre as medidas que o Governo pode adoptar para moderar os efeitos recessivos deste vírus global. Tal como a OCDE, o FMI e os economistas em geral consideram que a política orçamental tem, nesta crise, um papel fundamental. Primeiro, canalizando recursos para a saúde e, em segundo lugar, apoiando os grupos e sectores mais vulneráveis. Isto exige que se façam “fatos por medida” e não as habituais linhas de crédito.
Numa primeira análise, o Governo parece estar a desvalorizar os efeitos que o coronavírus pode ter na economia portuguesa. Neste momento esperaríamos ver medidas de reforço do orçamento da saúde e iniciativas para apoiar o sector do turismo, na margem de manobra que exista no Orçamento do Estado. A dívida pública que ainda temos não nos permite ir muito longe, mas é possível fazer mais. E o pior que nos podia acontecer era viver nestes tempos de incerteza económica tempos de instabilidade política.