Os primeiros-ministros de Polónia, Eslovénia e República Checa estiveram esta semana em Kiev, para reunir com as autoridades ucranianas. Esta inesperada iniciativa teve uma forte carga simbólica, que marcará certamente o ambiente político nas próximas semanas. Foi uma sinalização coordenada de apoio político de alguns países da UE que, no século XX, sentiram na pele o que é viver sob o domínio soviético. Foi um acto pleno de inteligência estratégica, porque a presença de chefes de Estado europeus em Kiev não é uma ingerência militar, mas obriga as tropas invasoras russas a ponderar a intensidade dos seus ataques — ou seja, estes três primeiros-ministros serviram temporariamente de escudo perante uma Rússia que, estando disponível para arrasar a Ucrânia, não tem qualquer interesse em atingir chefes de Estado da UE e da Nato. Foi, também por isso, um acto de grande coragem estratégica e física entrar numa cidade sob bombardeamentos — e a história lembra-nos como a ousadia e a coragem ajudam a ganhar guerras. E, por fim, foi também um exemplo simples, mas poderoso, de como os líderes políticos europeus e mundiais podem contribuir para a defesa da Ucrânia e das democracias liberais.

Zelensky, presidente ucraniano, percebeu o impacto dessa visita como ninguém — afirmou mesmo que “com amigos assim, a Ucrânia pode vencer“. E agarrou-se à oportunidade: convidou os seus aliados a juntarem-se a ele em Kiev. O apelo é simples: as palavras importam e as sanções ajudam, mas os gestos e os actos de coragem podem mudar o curso de uma guerra. Se a adesão da Ucrânia à UE é um projecto a longo prazo e a adesão à Nato permanece uma miragem, pelo menos que os aliados da Ucrânia contra a agressão russa dêem a cara e coloquem os pés na capital ucraniana, enquanto contributo para a resistência à invasão. Mas quantos líderes ocidentais estarão dispostos a fazê-lo?

Por enquanto, poucos. Mas o exemplo dos chefes de Estado polaco, esloveno e checo marcou a agenda e fez subir a pressão sobre os seus pares. Boris Johnson, no Reino Unido, tem sido questionado sucessivamente sobre o seu papel no apoio a Kiev e sobre uma eventual visita ao terreno. Emmanuel Macron, que está em campanha para as presidenciais francesas e ambiciona liderar a UE, dificilmente poderá dispensar uma viagem a Kiev — e, se a fizer, o alemão Olaf Scholz sentir-se-á obrigado a seguir-lhe os passos. Entretanto, Joe Biden, presidente dos EUA, estará em Bruxelas na próxima semana e, possivelmente, visitará outros Estados-Membros, como a Polónia — mas não se antevê que pise o chão fora das fronteiras da UE. Facto é que, à conta da iniciativa arrojada da Polónia, Eslovénia e República Checa, a Ucrânia ficou menos sozinha. Hoje, a pergunta deixou de ser quem estará em Kiev para apoiar a Ucrânia, mas sim quem não estará e porquê.

Os líderes revelam-se nos momentos excepcionais. A administração da coisa pública em tempos normais está ao alcance de qualquer um: mais do que realmente tomar decisões, basta operar como parte de uma grande engrenagem burocrática e sistémica. O político emerge no momento de excepção, como uma crise ou uma guerra. É nesse contexto excepcional que tudo repousa nos seus ombros: as suas decisões irão definir o futuro do seu povo, a sua visão de futuro orientará a população rumo a um objectivo comum, a sua coragem inspirará outros a serem corajosos. E é, portanto, nesses grandes momentos que os protocolos são dobrados, os riscos são assumidos, as acções simbólicas ganham força e os tons de cinzento se dissipam: não dá para manter o business as usual — ou se está à altura do poder que se detém, ou não se está.

O dilema está agora nas mesas de Ursula Von der Leyen e de Charles Michel, na UE: quando é que vão a Kiev? E está também nas da ONU e de António Guterres: quando é que vai a Kiev? Zelensky tem mostrado como a coragem e a determinação ajudam a vencer uma guerra. Esperemos que, reféns do calculismo, os nossos líderes não nos relembrem como a cobardia e a hesitação contribuem para a perder.

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