“Nenhum decisor político atual ou antigo ficou por ouvir. Nenhuma pergunta ficou por fazer.” É com esta frase que começam as conclusões do relatório sobre o inquérito parlamentar às compras de equipamento militar e contrapartidas, esta manhã entregue na Assembleia da República.

O texto é da autoria de Mónica Ferro, deputada do PSD, e deixa clara a interpretação da maioria sobre o que se passou na comissão: não houve qualquer ilegalidade, nem sequer indício disso, na atuação dos políticos, acusados apenas de não terem guardado a toda a documentação sobre os processos; houve acusações “menos fundadas” que foram “retiradas” nas audições; todos os chefes militares defenderam as compras de equipamentos como importantes. Há críticas ao Governo de Guterres, por ter feito as compras militares em leasing considerado “excessivo” — e depois um elogio a Portas, por ter corrigido essas contas.

No que respeita aos submarinos, um dos casos mais polémicos, a defesa de Portas é reiterada e sublinhada, lembrando que António Guterres reiterou a necessidade da compra. E as conclusões elogiam o ex-ministro da Defesa e atual vice-primeiro-ministro no que diz respeito às cláusulas de garantias exigidas aos fornecedores de equipamento militar. “É ainda desejável que o Estado se defenda em matéria de garantias cujo valor não pode voltar a ser tão baixo: entre os 10% exigidos em 2000 no caso dos submarinos e os 25% exigidos no caso das pandur, em 2004, a segunda opção protegeu nitidamente o interesse nacional”, lê-se no ponto 22 das conclusões.

As críticas ficam reservadas para o capítulo das contrapartidas – com as culpas também distribuídas pelos vários governos.

Fica aqui o resumo dessas conclusões, que vão merecer críticas mais do que certas da oposição à esquerda.

  • “O ambiente que rodeou esta Comissão foi frequentemente o das alegações – e, não rara vez, o de meras insinuações – de ilegalidades.
  • “Dos trabalhos da Comissão não se retirou qualquer prova ou sequer indício de cometimento de ilegalidades pelos decisores políticos e militares nos concursos analisados.
  • “A Comissão obteve informação e debateu muito largamente aspetos que admitem controvérsia política, assim o foi quanto ao enquadramento legal da programação militar; as escolhas das capacidades prioritárias; a política de contrapartidas; a organização e transparência do financiamento; as principais cláusulas contratuais. Mas o domínio dessa controvérsia é político e não se confunde com questões de legalidade ou probidade.
  • “A Comissão registou que alguns depoentes retificaram ou anularam acusações menos fundadas anteriormente feitas.
  • “A Comissão começou pela estratégia de segurança para o País que é servida pelos equipamentos em referência. Por isso começou por ouvir os Chefes Militares de cada Ramo. Conclui que, unanimemente, defenderam a indispensabilidade das aquisições feitas e que reconheceram satisfação com a qualidade operacional dos equipamentos adquiridos. (…) Consensualmente, os três concursos mais analisados (helicópteros EH-101, submarinos, VBR – viaturas blindadas de rodas) incluem-se nesta necessidade imperiosa.
  • “Nenhum responsável ouvido defendeu ser possível o reequipamento militar só com financiamento direto do Estado; mas pode considerar-se dominante a crítica ao excesso de intermediação financeira atingido na LPM de 2001 (cerca de 70% em leasing a uma taxa implícita de 7 %) do mesmo modo que se registou um maior equilíbrio e consenso na LPM de 2003 (apenas 50% em leasing e uma taxa implícita de 5%).
  • “A Comissão ouviu todos os Ministros da Defesa Nacional de 1998 até hoje. Nenhum afirmou que teria homologado um vencedor diferente nos vários concursos analisados. Os dois ex-primeiro ministros ouvidos – António Guterres e José Manuel Durão Barroso – confirmaram inequivocamente serem favoráveis à aquisição de submarinos para manter essa capacidade. Importa reter este facto, tendo em atenção o grau de polémica, frequentemente demagógica, sobre a capacidade submarina.
  • “As contrapartidas são oportunidades que dependem, em certa medida, das contingências do mercado e do tempo dos concursos públicos. O facto de poderem perder oportunidade não exime o fornecedor de cumprir com o contratualizado com o Estado português.
  • Se é certo que as contrapartidas podem constituir um importante instrumento para o desenvolvimento económico da base tecnológica nacional, deve concluir-se que o Estado e os governos sucessivos deveriam ter sido mais assertivos na definição regulatória de quais os sectores e projetos estratégicos para a consolidação da base tecnológica.
  • “As audições dos Ministros e Presidentes das Comissões de Contrapartidas têm, neste domínio, um ponto claramente em comum: insatisfação e crítica à falta de meios humanos e materiais das Comissões de Contrapartidas.
  • “Dessas audições resulta ainda evidente que existiram sinais de descoordenação entre tutelas das contrapartidas; e até concorrência entre tutelas e comissões específicas (na questão das contrapartidas dos submarinos ate 2002) conforme foi reconhecido pelos Ministros da época.
  • “Nenhum responsável político, ou de contrapartidas, demonstrou que fosse viável o princípio da repercussão do grau de execução das contrapartidas no preço do equipamento.
  • “A Comissão considera que Portugal teria tido vantagem em criar uma agência profissional capaz de avaliar melhor os projetos, fiscalizar mais a sua execução e detetar mais cedo o grau de preparação das empresas para este desafio.
  • A comissão considera errado o Estado ter deixado atrasar a definição do enquadramento contratual de contrapartidas ou aprovar aquisições sem lista de contrapartidas; é ainda desejável que o Estado se defenda em matéria de garantias cujo valor não pode voltar a ser tão baixo: entre os 10% exigidos em 2000 no caso dos submarinos e os 25% exigidos no caso das VBR, em 2004, a segunda opção protegeu nitidamente o interesse nacional.
  • As contrapartidas geram valor para economia nacional na justa medida em que criem oportunidades que, de outro modo, não existiriam. Podem constituir um importante instrumento para o desenvolvimento económico da base tecnológica e industrial nacional. No entanto, as contrapartidas deveriam ter uma componente de regulação no sentido de que os projetos ou os programas de contrapartidas deveriam estar logo associados a áreas prioritárias e a projetos estratégicos para o país definidos pelo próprio Estado.
  • A negociação dos contratos de aquisição, financiamento e contrapartidas dos equipamentos militares deveriam ter sido sempre negociados em conjunto.
  • Registando os progressos verificados, a Comissão considera a questão das contrapartidas a parcela mais insatisfatória dos processos de aquisição de equipamento militar, devendo sem rodeios reconhecer-se que as deficiências legais e institucionais começaram em 1998 e prolongaram-se no tempo. É especialmente frustrante o baixo nível de execução ao longo de vários anos.
  • A questão da memória institucional foi amplamente tratada nesta comissão. Foram claras as fragilidades na guarda da documentação destes processos, nomeadamente no Ministério de Defesa Nacional que, entre várias estruturas e direções gerais não conseguiu impedir uma dispersão documental. É com satisfação que sabemos que neste momento o Ministério está em condições de garantir essa memória.
  • As questões que ficaram por esclarecer prendem-se, maioritariamente, com o facto de esta Comissão ser de Inquérito, e não um órgão de investigação judicial, que não pode nem deve ser substituído pelo poder legislativo. Esclarecido este ponto, é de assinalar que foram inquiridas e esclarecidas questões que há uma década são tema de polémica, e foram encontrados factos que revelam a verdade e a cronologia da atuação do Estado nesta área.

O relatório, que devia ter sido entregue até às 0h de sexta-feira, só foi entregue pelas 8h da manhã. Os vários grupos parlamentares terão até 7 de outubro para sugerir alterações ao documento, caso não haja outra decisão em virtude do atraso. A discussão e votação do relatório estão agendadas para 8 de outubro e o mesmo será votado, em plenário, a 17 de outubro.

Documentos

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR