Independentemente dos defeitos e virtudes dos seus produtos, de uma coisa não restam dúvidas: a Tesla conseguiu agitar as águas num sector que, não obstante o seu dinamismo, foi sempre dominado pelos mesmos protagonistas. De tal forma que, sempre que o tema são os veículos eléctricos, raramente não é a marca californiana a ser evocada como referencial ou alvo a abater. Até em relação a projectos que nem chegaram ao mercado.

Dúvidas houvesse, veja-se o caso das pick-ups, segmento sempre de maior importância para o mercado norte-americano, ou não fosse a Ford F-150 o automóvel mais vendido nos EUA há já quase quatro décadas. Aquando da apresentação da estratégia da Tesla para os próximos anos (o célebre Master Plan Parte II), Elon Musk, o seu CEO, anunciou a intenção da marca de desenvolver uma pick-up (totalmente eléctrica, claro está), a lançar em data ainda por definir, mas que se antevê seja por volta de 2020. Daí a que aparecesse alguém a querer adiantar-se, lançando a “primeira pick-up eléctrica do mercado”, foi um pequeno passo. Por vezes prometendo soluções tão estranhas como um veículo eléctrico que, no fundo, é um híbrido com extensor de autonomia.

Palavras leva-as o vento

Veja-se o caso da Workhorse, marca adquirida em 2015 pela americana AMP, por sua vez uma empresa criada em 2007 com o objectivo inicial de “electrificar” modelos já existentes. Depois de alguma notoriedade obtida com uma versão eléctrica de um roadster da General Motors (vendido como Pontiac Solstice e Saturn Sky nos EUA, e como Opel GT na Europa), dedicou-se a fazer o mesmo em outros automóveis de passageiros e, em virtude da mais do que provável inviabilidade comercial e financeira destes, também em veículos comerciais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Hoje oficialmente designada como Workhorse Group Incorporated, a sua actividade assenta, em boa parte, no fornecimento a empresas como a UPS, a Fed-Ex ou a Penske, de furgões híbridos plug-in destinados à distribuição. Mas na página principal do seu site na Internet acaba de surgir a informação de que, a partir de 2018, terá à venda a primeira pick-up eléctrica alguma vez construída: a W-15.

A verdade da mentira

Mestres nestas coisas do marketing, e mesmo sabendo que a publicidade por aqueles lados costuma ser bastante mais agressiva do que na Europa, os americanos também costumam ter um certo respeito pelas regras vigentes, nomeadamente as que protegem os consumidores. Pelo que o discurso muda bastante de tom assim que se acede à área reservada ao novo modelo, e em que são descritas as suas principais características.

Com a mesma naturalidade, a Workhorse faz saber, aí, que a W-15 é, afinal, uma pick-up equipada com um pack de baterias de iões de lítio da Panasonic, combinado com um motor de combustão interna que actua como gerador para produzir energia eléctrica e incrementar a autonomia. Ou seja, e contas feitas pela própria Workhorse, esta pick-up não oferece mais do que cerca de 130 km (80 milhas) de autonomia eléctrica, sem emissões de poluentes, para uma autonomia total de aproximadamente 500 km (310 milhas). Não é mau. Só é pena não se tratar de um verdadeiro automóvel eléctrico, mas de um híbrido com extensor de autonomia.

Funcional e polivalente

Tirando este pequeno“pormenor”, aliado a um outro que é não existirem outras imagens do modelo que não desenhos ainda um pouco elementares, a W-15 até anuncia alguns putativos atributos. Senhora de um porte generoso (5.943 mm de comprimento, 2.032 mm de largura, 1.877 mm de altura, 3.835 mm de distância entre eixos e uma altura ao solo de 2.30 mm), pesa 2.300 kg, promete uma capacidade de carga de uma tonelada, uma lotação para cinco passageiros, e recorre a dois motores eléctricos (que actuam directamente sobre cada um dos eixos) que lhe asseguram a tracção integral, estando o pack de baterias integrado no chassi construído em aço de alta resistência, para ajudar a baixar o centro de gravidade.

De série, é anunciada a integração de soluções como o auxiliar de manutenção na faixa de rodagem, a travagem regenerativa, as tomadas de alta e baixa voltagem na caixa de carga (directamente ligadas ao pack de baterias) e uma elevada capacidade de reboque. A carroçaria, essa, será construída em materiais compósitos, sendo a segurança outro ponto a reter: como o pequeno motor de dois cilindros a gasolina instalado na frente ocupa muito pouco espaço, está disponível uma ampla área destinada à absorção de energia em caso de impacto, que decerto ajudará a minorar as consequências em caso de embate. Ou seja, e mais uma vez aqui, algo muito semelhante ao que já acontece nos modelos da… Tesla!

A galinha e ovo

De regresso ao início. Então, e para quando a primeira pick-up totalmente eléctrica do mercado? Bom, a verdade é que a questão, se posta nestes termos, foi respondida, pelo menos, em 1997, quando a GM lançou a Chevrolet S-10 Electric, descontinuada logo no ano seguinte. Equipada com um motor trifásico de 84 kW (114 cv), versão menos potente do de 100 kW utlizado no coupé EV1, foi lançada com um pack de 27 baterias de chumbo da Delco com 16,2 kWh de capacidade, mas a partir de 1998 passou a estar disponível também com um pack de bateria de NiMH da Ovonic, com 29 kWh. A autonomia rondava, na melhor das hipóteses, os 75 km no primeiro caso, e os 100 km no segundo. Isto estando a velocidade máxima limitada a 113 km/h, sendo os 0-80 km/h cumpridos em 13,5 segundos e a tracção apenas dianteira.

Em 1998 a Ford decidiu seguir caminho idêntico, e lançou a versão eléctrica da Ranger de então, que teve a virtude de ser produzida até 2002. Algumas (poucas) das unidades colocadas no mercado (o modelo apenas estava disponível em regime de locação, destinado a clientes empresariais) estavam equipadas com baterias de chumbo, mas a maioria das Ranger EV que chegaram às estradas dispunha de um pack de baterias de NiMH. A autonomia anunciada era de 105 km na versão mais evoluída, com o motor a oferecer 45 kW (60 cv), para uma aceleração 0-80 km/h cumprida em 10,3 segundos e uma velocidade máxima limitada a 113 km/h (as mesmas 70 mph da sua congénere da Chevrolet).

Estes foram os primórdios. Hoje tudo promete ser diferente. Mas ainda ninguém cumpriu. E, mais uma vez, promete ser a Tesla a fazer a diferença, assim chegue a ver a luz do dia a sua pick-up 100% eléctrica com uma autonomia e um agrado de utilização dignos desse nome.