É difícil de imaginar que a mulher sentada diante de nós cresceu numa quinta em Oklahoma, nos Estados Unidos da América. Em adolescente, Sharen Turney não tinha por hábito sair à noite, quanto muito viajar. O ambiente rural em que estava inserida era um convite para trabalhar no duro, sempre que necessário, e foi talvez essa ética laboral que a fez vingar num mundo de homens. O nome pode não lhe soar familiar, mas até há bem pouco tempo Truney era a presidente e CEO da muito conhecida Victoria’s Secret (VS).

No auge dos 60 anos, Sharen Turney tem olhos de um azul profundo, emoldurados pela cabeleira loira e farta. A empresária que liderou a gigante norte-americana entre 2006 e 2016 esteve em Portugal a convite da DK Retail Consulting e da Japonica Partners, para dar uma palestra no ISCTE, em Lisboa. O auditório estava cheio esta terça-feira à tarde para a ouvir falar. Valeu a pena a espera.

A mulher que elevou o volume global de negócios da empresa de lingerie de 4,5 mil milhões de dólares (cerca de quatro milhões de euros), quando entrou, para mais de 7 mil milhões (6,15 milhões de euros) em 2015, sensivelmente um ano antes de se retirar, cresceu na época da televisão a preto e branco, quando poucos eram os programas que passavam no pequeno ecrã. Talvez por isso o desconhecido tenha sido um dos medos que enfrentou em início da carreira, isso e o receio de falhar e de se sentir humilhada.

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Toda a gente cresce de forma diferente. Eu cresci numa pequena cidade no campo. [Quando comecei] estava intimidada porque havia pessoas da cidade com boa educação, com experiências diferentes”, diz Sharen ao Observador, numa entrevista conjunta com mais dois meios de comunicação.

Em adolescente Sharen Turney achava que o seu futuro profissional passava pela educação — era comum ser-se, então e naquela cidade, professora. A ideia foi estruturalmente abalada quando à escola onde estudava chegou o típico “dia da carreira”, em que empresas de diversas áreas fazem entrevistas e dão a conhecer aos estudantes como funciona o mercado. De mente aberta, Sharen inscreveu-se em tudo o que podia — talvez não estivesse talhada para trabalhar em auditoria, como haveria de perceber em entrevista, mas a curiosidade pelo mundo do retalho ficou. Tanto ficou que a jovem norte-americana pôs o ensino quase imediatamente de lado. “Vai em frente. Se não gostares podes sempre voltar atrás e ensinar”, disse-lhe um dos professores de liceu.

“Vai demorar algum tempo até que o mundo ame as mulheres como tem amado os homens”, diz a antiga CEO em frente a uma plateia de estudantes. Serve a frase para explicar que é preciso trabalhar muito e estar-se sempre preparada. “Adoro dizer isto: a Victoria’s Secret é uma marca de mulheres liderada por mulheres”, acrescenta. Mas o que é hoje um ponto óbvio, em tempos foi considerado um obstáculo. Apesar de em entrevista ao Observador assegurar que nunca sentiu dificuldades no mundo do trabalho por ser mulher, a norte-americana chegou a partilhar uma história curiosa em plena conferência:

Quando saí da faculdade [já a trabalhar em retalho] puseram-me na divisão dos homens. Eu era a única rapariga. Eles aterrorizavam-me, lembro-me de me prenderem à cadeira com fita-cola. Tratavam-me como se eu fosse a irmã mais nova. Tive de trabalhar muito, ficava até mais tarde para estar à frente deles, para ser mais inteligente, para que me levassem a sério. Foi assim que comecei a ganhar o respeito deles.”

Em todos os dias da sua carreira, Sharen sentiu que tinha de provar o seu próprio valor, até porque no mundo do retalho fácil e rapidamente se vê o que funciona… e o que não funciona. As decisões mais difíceis que já tomou, garante, passaram sempre por despedir pessoas. Faz sentido. Esta é a mulher que repete sucessivas vezes que um bom líder preocupa-se sempre com as pessoas que com ele trabalham. “O maior desafio é fazer com que as pessoas continuem motivadas.”

Sharen Turney mudou o universo da Victoria’s Secret. Melhorou-o. Ampliou-o. Elevou-o a um estatuto que não é indiferente a ninguém. O caminho para aqui chegar foi exigente. “Tínhamos um sonho”, diz a ex-CEO que ainda vai falando da empresa na primeira pessoa do plural. “Não queríamos estar apenas no negócio da lingerie, mas também no negócio da moda.” Foi precisamente esse o motivo que fez a VS apostar na produção de desfiles — o primeiro até pode ter feito algumas pessoas rir de incompreensão, mas hoje a VS é a única marca de roupa cujo desfile passa na televisão. “Se antes as pessoas não queriam estar nos nossos desfiles, agora querem mesmo muito estar, porque nós podemos ajudar a construir uma carreira”, diz Sharen, constatando a importância de uma modelo chegar ao pódio de um “anjo”.

Mulher e mãe, Sharen garante que foram poucas as coisas que perdeu da vida do único filho, que se licenciou este ano. Isto porque sempre geriu a agenda conforme o calendário de eventos do filho. Tudo o resto vinha depois. “Quando o meu filho nasceu disse ao meu pobre marido ‘vai ser sempre o meu filho primeiro’.”

Atualmente, a Victoria’s Secret tem mais de 1.500 lojas em todo o mundo e receitas anuais superiores a sete mil milhões de euros. Sharen pode ter começado como CEO da empresa de comércio eletrónico e catálogo do grupo, em 2000, mas depressa ascendeu ao topo. A saída abrupta da empresa — que a própria garante ter sido anunciada internamente muito antes de a imprensa internacional ter tido acesso à notícia, e que terá sido motivada pela necessidade de dedicar mais tempo à famíla — deixa saudades, sobretudo saudades de mandar. “O marido está sempre a dizer-me: ‘Don’t CEO me'”, brinca. A empresária pode já não estar presente na vida da empresa que ajudou a projetar — diz que está na altura de seguir em frente –, mas nota-se o gosto por um universo que vai ser difícil de deixar.