“Viverei com este peso na consciência até ao último dia da minha vida”. Nesta quarta-feira, na Assembleia da República, o primeiro-ministro, António Costa, não se referia apenas àquilo que “aconteceu em Pedrógão e voltou a acontecer este fim de semana”. Se o número de mortos dos incêndios na zona centro e Norte se mantiver, são 115 as mortes que pesam na consciência de Costa.

Até hoje, não passou o peso na consciência que tenho pelo inspetor da Judiciária que foi morto, quando eu era ministro da Justiça, pelos agentes e chefes da PSP que foram abatidos, quando era ministro da Administração Interna, pelos bombeiros portugueses e chilenos que morreram, quando era ministro da Administração Interna”, disse durante uma intervenção no debate quinzenal desta quarta-feira, no Parlamento.

São 42 pessoas mortas nos incêndios deste fim de semana, 64 nos incêndios de Pedrógão Grande, cinco bombeiros chilenos e um português num incêndio da Guarda, em 2006, dois agentes da PSP abatidos, em 2005, e um inspetor morto com tiros de uma metralhadora, em 2001. Estes acontecimentos sucederam quando Costa foi ministro da Justiça, no Governo de António Guterres, ministro da Administração Interna, no Governo de José Sócrates, e, agora, enquanto primeiro-ministro. “Nunca me passou o peso na consciência e receio que nunca me venha a passar”, disse.

João Melo, o inspetor da PJ abatido com tiros de uma metralhadora numa perseguição

João Melo tinha 29 anos. Na final da tarde de 21 de janeiro de 2001, um gang assaltou uma carrinha da Prosegur e fugiu em direção a Vila Meã, no concelho de Amarante. João Melo foi um dos seis inspetores da Polícia Judiciária que saíram em três carros para tentar localizar o gang — alguns assaltantes seguiam num Fiat Punto, outros seguiam num Volkswagen Golf.

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Os dois carros ultrapassaram os carros da Polícia Judiciária e barraram a sua passagem. O inspetor José Augusto Ferreira ainda tentou impedir o condutor do Golf, batendo-lhe no carro, mas não foi suficiente: o condutor saiu do carro com uma metralhadora Kalashnikov e disparou vários tiros contra o inspetor João Melo.

Sete anos depois, José Augusto Barbosa, que disparou os tiros da metralhadora que mataram o inspetor, foi condenado a 15 anos de prisão. Na altura, António Costa era ministro da Justiça do segundo Governo de António Guterres, cargo que ocupou entre 1999 e 2002.

Os dois agentes baleados várias vezes

Na madrugada de 20 de março de 2005, dois agentes, de 23 e 30 anos, que seguiam num carro de patrulha, pararam para abordar um indivíduo — uma operação de rotina que aconteceu na Amadora. Quando lhe pediram a identificação, o homem disparou várias vezes contra os agentes. De seguida, entrou dentro do carro para fugir. O tiroteio não ficou por aí. O indivíduo fez marcha-atrás e voltou a disparar e acertou noutro polícia.

Os dois agentes da polícia foram levados para os hospitais São Francisco Xavier e Amadora-Sintra. Um chegou já sem vida, outro acabou por morrer no hospital.

António Costa era ministro de Estado e da Administração Interna, no governo de José Sócrates, cargo que ocupou entre 2005 e 2007. Na altura, lamentou a morte dos agentes e expressou condolências às famílias.

Cinco bombeiros chilenos e um português no fogo que chegou ao Parque Natural da Serra da Estrela

António Costa ainda ocupava o cargo de ministro de Estado e da Administração Interna, no governo de José Sócrates, quando teve que lidar com uma tragédia relacionada com incêndios.

139 bombeiros foram mobilizados para combater o incêndio que deflagrou em junho de 2006 e que chegou a entrar no Parque Natural da Serra da Estrela. Durante o combate, um grupo de bombeiros ficou cercado pelo fogo. Alguns conseguiram fugir. Seis foram apanhados pelas chamas: cinco eram chilenos e um era português.

Os 64 mortos de Pedrógão, 47 na “estrada da morte”

Foi a maior tragédia com incêndios em Portugal. Numa tentativa de fuga, famílias inteiras morreram naquela que ficou conhecida como “a estrada da morte”. Só na nacional 236 — que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pêra — morreram 47 pessoas: 30 ficaram encurraladas dentro dos carros e 17 corpos foram encontrados fora dos carros. Tentavam fugir mas viram-se encurralados e não resistiram às temperaturas que chegaram aos 100 graus e à inalação de fumos. Outras morreram atropeladas.

PGR divulga nomes das 64 vítimas de Pedrógão Grande. Estas são as suas histórias

Só agora se soube que esta tragédia motivou o pedido de demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, a António Costa. “Logo a seguir à tragédia de Pedrógão pedi, insistentemente, que me libertasse das minhas funções e dei-lhe tempo para encontrar quem me substituísse”, pode ler-se na carta enviada esta quarta-feira ao primeiro-ministro.

Mas António Costa pediu a Constança Urbano de Sousa para se manter em funções, “sempre com o argumento que não podemos ir pelo caminho mais fácil, mas sim enfrentar as adversidades”, explicou na carta. A demissão acabaria por acontecer exatamente quatro meses depois do dia em que deflagrou o incêndio de Pedrógão Grande — 17 de junho de 2017 — quando foram acrescentadas 42 pessoas à lista de mortos que pesam na consciência de António Costa.

Os 42 mortos no “pior dia de incêndios do ano”

O número ainda não parou de aumentar. A última atualização feita esta tarde de quarta-feira, pela comandante adjunta da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, aponta para 42 pessoas mortas. Ao contrário do que aconteceu no incêndio de Pedrógão Grande — cuja maioria das mortes ficou limitada a 200 metros de estrada –, morreram pessoas em vários distritos das zonas Centro e Norte do país: em Coimbra, Viseu, Castelo Branco e Guarda.

Foi considerado o “pior dia de incêndios do ano”. Por enquanto, não foi divulgada qualquer lista de vítimas — como aconteceu com a tragédia de Pedrógão — e não se sabe se vai acontecer.

Em Penacova, dois irmãos morreram num barracão. Na Tábua, os pais de um bebé de um mês — que foi inicialmente dada como morta — foram encontrados mortos. Em Vouzela, uma pessoa morreu no carro enquanto tentava fugir e outras três não se terão apercebido do fogo e morreram na cama. Na A25, uma jovem de 19 anos que estava grávida morreu numa colisão entre dois carros. Uma das quatro pessoas que ficaram feridas no acidente acabou por morrer no Hospital de Viseu. Morreu ainda uma pessoa em Nelas e outra na Sertã.

Já são 41 vítimas, entre elas dois irmãos apanhados pelo fogo a salvar a lenha do pai e uma grávida em contramão na A25

São as últimas 42 mortes do total de 115 que pesam na consciência de António Costa e que levaram à demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa: “Considero que estão esgotadas todas as condições para me manter em funções, pelo que lhe apresento agora, formalmente, o meu pedido de demissão, que tem de aceitar, até para preservar a minha dignidade pessoal”.