A neutralidade da rede não é ainda um tema sexy ou que mobilize muito as atenções, pelo menos em Portugal. Mas há jornais internacionais que já utilizam o nosso país como exemplo de um espaço onde as grandes empresas prosperam na web criando uma Internet a duas velocidades: uma para quem consegue pagar para aceder a todos os sites, e uma mais barata em que só se pode aceder a alguns. Políticos americanos e títulos internacionais como o Business Insider, o Quartz ou o Wired (versão italiana) citam Portugal como exemplo do que seria a Internet sem regulação recorrendo à página de pacotes móveis da MEO.

Ao Observador, a operadora garante que cumpre as regras comunitárias e explica que a oferta SmartNet corresponde a um limite de tráfego adicional para conjuntos temáticos de aplicações. Já o regulador, a Anacom, diz ao Observador que está a analisar os temas da neutralidade da rede, das ofertas zero rating e pacotes com aditivos.

Mas o que é neutralidade da rede? Imagine uma Internet que funciona como a televisão, em que se paga por acesso a mais canais premium. Encontrou um site no Google que o vai ajudar naquela pesquisa? Não pode aceder, devia ter pago o pacote plus que permite acesso a outros sites que não os pré-definidos pela operadora. Este é o cenário de uma Internet sem regulação e que alguns pacotes da MEO, Vodafone e NOS já estão a promover com acesso por dados móveis, mesmo que contra princípios de normas europeias que impedem as operadoras de privilegiar o acesso a certos locais na Internet em detrimento de outros.

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O advogado Eduardo Santos, presidente da Associação de Direitos Digitais portuguesa (a D3), explicou ao Observador que estes pacotes “apesar de serem legais, são uma forma de barreira imposta por quem controla o acesso à Internet”. O jurista assume que “o regulador devia intervir, porque apesar de não ser de forma direta, estes pacotes vão contra o princípio da neutralidade da rede”. O jurisconsulto afirma ainda que “há a questão da livre concorrência no mercado”, que estes pacotes ao privilegiarem certas apps não possibilitam o crescimento de outras.

O tweet de Ro Khanna, congressista democrata americano eleito pela Califórnia, surge numa altura em que a FCC (Federal Communications Comission, o equivalente à ANACOM em Portugal) se prepara para a uma votação de renovação da legislação vigente a 14 de dezembro. Se forem aprovadas algumas propostas, podem abolir as regras que permitem a esta autoridade reguladora impedir que as operadoras de comunicações americanas tenham pacotes como a NOS, a Vodafone ou a MEO têm para os serviços mobile e os apliquem também à Internet doméstica.

O caso português é referido como uma forma de contornar as normas europeias quanto à neutralidade da rede e dos perigos de não se regular devidamente uma “Internet aberta”, como apelida o regulamento europeu que legisla esta matéria. A crítica feita a Portugal é que ao permitir o acesso ilimitado a apenas algumas aplicações da internet ou conceder dados extra apenas para essas apps, está a promover concorrência desleal em relação a outras apps e serviços da web que não tenham capital para as operadoras privilegiarem o acesso pela Internet a estas.

Vários utilizadores americanos têm partilhado a imagem do site da MEO no Twitter, um dos exemplos é a conta do ator Joseph Gordon-Levitt.

Nos Estados Unidos da América, que tem as principais empresas de Internet do mundo, como a Google, a Amazon ou o Facebook, o assunto tem sido amplamente debatido, com a renovação dos órgãos da FCC (Federal Communications Comission, o equivalente à ANACOM em Portugal). Com a eleição de Ajit Pai para a liderança da autoridade reguladora, uma escolha feita no mandato de Donald Trump, várias críticas foram feitas. O novo presidente foi conselheiro jurídico de umas das maiores operadoras americanas, a Verizon, que beneficiaria economicamente com a mudança da lei. Mas qualquer alteração legislativa nos EUA neste âmbito mudaria a forma como toda a população mundial acede à Internet.

Yonatan Zunger, antigo funcionário da Google, num retweet da partilha do congressista californiano, afirma que num cenário como o português, os operadores sem estarem regulados pela neutralidade da rede poderiam passar a cobrar rendas a sites para permitir o acesso através da rede que gerem.

MEO afirma que cumpre a lei e “orgulha-se de ter sido pioneira neste tipo de ofertas em Portugal”

Em resposta ao Observador, confrontada com as acusações do Business Insider e do congressista americano, responsável da empresa afirma: “A MEO cumpre o regulamento europeu relativo à net neutrality [neutralidade da rede], não havendo qualquer distorção do mercado causada pelas suas ofertas comerciais”. Quanto a discriminar conteúdos na Internet com os pacotes de aditivos, a empresa diz que: “As ofertas SmartNet correspondem apenas a plafonds de tráfego adicionais para determinados conjuntos temáticos de aplicações que mais não são do que o reflexo das preferências dos consumidores portugueses”.

Em resposta, fonte oficial da MEO afirma ainda que há “ofertas análogas noutros países” e convida fornecedores de serviços e aplicações da Internet a entrar em contacto com a empresa para negociarem condições para também integrarem os pacotes.

ANACOM já está a analisar pacotes com aditivos

Questionada pelo Observador sobre os pacotes de dados móveis como o oferecido pela MEO, fonte oficial do regulador para as comunicações afirmou: “o tema da neutralidade da rede, as ofertas zero rating e pacotes com aditivos são temas em análise na ANACOM”. A instituição não avançou mais informações quanto a investigações em curso ou ações para cessar ou permitir a continuação da oferta destes pacotes.

Este ano, a União Europeia ao aprovar as regras sobre a abolição do roaming, incluiu no regulamento referência à necessidade de as operadores terem de tratar com “de forma equitativa” todo o tráfego ao disponibilizarem serviços de acesso à Internet, atendendo aos princípios da neutralidade da rede aprovado em 2016 pelo Parlamento Europeu que chegaram a ser mencionados como “uma vitória para a Internet livre” pelo The Verge, uma publicação americana.

Parlamento Europeu vota hoje abolição do ‘roaming’ na UE a partir de 2017