Aly Raisman deu o primeiro passo ao assumir ter sido abusada sexualmente pelo médico da seleção americana de ginástica, Larry Nassar. McKayla Maroney seguiu-lhe o exemplo. Nessa altura, bastou uma frase menos feliz para se abrir uma guerra entre outras duas campeãs olímpicas: Gabby Douglas e Simone Biles.

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“As mulheres devem vestir-se com pudor e classe para evitarem provocar as pessoas erradas”, referiu Douglas, tendo como contexto as produções feitas por Aly Raisman para a revista ESPN e para a Sports Illustrated. “Fico chocado com o que vejo mas não me surpreende. Ver isto dá-me vontade de chorar porque como companheira esperava mais de ti. Estou contigo Aly e com todas as mulheres por aí. Continuem fortes!”, respondeu Biles.

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Pouco depois, Gabby admitiu que se arrependeu das palavras proferidas e admitiu também ter sido abusada: “Sei que não importante o que se usa, que isso não dá o direito para nos assediarem ou abusarem. Seria o mesmo do que dizer que a culpa foi nossa por Larry Nassar abusar de nós pelo que usávamos. Nunca tinha partilhado a minha experiência publicamente porque durante muitos anos fomos condicionadas ao silêncio e porque há coisas demasiado dolorosas”. Agora foi a vez de Simone assumir ter sido também abusada sexualmente.

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A maioria de vocês conhece-me como uma rapariga feliz, brincalhona e enérgica mas ultimamente… Senti-me um pouco quebrada e quanto mais calava a minha voz mais alto a ouvia gritar na minha cabeça. Não tenho medo de contar a minha a história a ninguém.

Também sou uma das muitas sobreviventes que foram abusadas sexualmente por Larry Nassar. Acreditem que foi muito mais difícil dizer primeiro essas palavras do que estar agora a escrevê-la no papel. Há muitas razões pelas quais estive relutante em partilhar a minha história, mas agora sei que a culpa não é minha.

Não é normal receber qualquer tipo de tratamento por parte de um médico fisioterapeuta de confiança e referir o mesmo de forma horrenda como um tratamento “especial”. Este comportamento é completamente inaceitável, nojento e abusivo, sobretudo vindo de alguém que me disseram ser de confiança.

Perguntei a mim mesmo durante muito tempo: ‘Fui demasiado ingénua? Qual foi o meu erro?’. Agora sei a resposta a essas questões. Não. Não é culpa minha. Não, não vou nem devo carregar a culpa que pertence a Larry Nassar, à seleção americana de ginástica e outros.

É muito difícil soltar estas experiências e parte-me o coração ainda mais pensar que enquanto trabalhava ao máximo no meu sonho de competir nos Jogos de Tóquio em 2020, teria de continuar a voltar ao mesmo centro de treinos onde fui abusada.

Depois de ouvir as corajosas histórias das minhas amigas e de outras sobreviventes, sei que essa experiência horrenda não me define. Eu sou muito mais do que isso. Sou única, inteligente, talentosa, motivada e apaixonada. Prometi a mim mesmo que a minha história seria muito maior que isto e prometo a todos que nunca vou desistir. Irei competir de alma e coração sempre que entrar no ginásio. Adoro demasiado este desporto e nunca fui uma desistente. Não deixarei que um homem e outros que lhe permitiram isto roubem o meu amor e alegria.

Precisamos de saber como é que isto aconteceu durante tanto tempo e tantas de nós. Precisamos assegurar que algo deste género nunca mais volta a acontecer.

Assim como vou continuando a trabalhar com esta dor, peço amavelmente a todos que respeitem a minha privacidade. Isto é um processo e um processo em que irei necessitar de mais tempo para poder superar.

Depois de 14 medalhas (dez de ouro) em Campeonatos do Mundo entre 2013 e 2015, Simone Biles, de 20 anos, foi considerada a sucessora natural de Nadia Comaneci após uma participação olímpica de sonho nos Jogos do Rio de Janeiro, onde conquistou um total de quatro medalhas de ouro e uma de bronze.

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Recorde-se que Larry Nassar, antigo médico da equipa de ginástica, admitiu em novembro ter molestado várias raparigas; em dezembro, num outro processo que decorria em paralelo, foi condenado por um tribunal do Michigan, a 60 anos de cadeia por posse de pornografia infantil. A juíza de distrito, Janet Jeff, disse que o médico “nunca mais deve ter acesso a crianças” e determinou que Nassar só começaria a cumprir a sentença assim que os restantes casos em que é acusado de abuso sexual estejam concluídos.