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"Senti a dor de quem vê as mudanças nos recifes corais": Salma, a recordista de mergulho livre que tem no mar o seu principal "troféu"

Desde pequena que está ligada ao mar, foi nove vezes recordista saudita no mergulho livre, tornou-se a personagem principal do documentário "Sob a Superfície: A Luta Pelo Coral": quem é Salma Shaker.

“A minha ligação ao mar começou desde nova. Talvez algumas das minhas primeiras memórias sejam de mim a nadar, do meu pai a atirar-me da prancha, a ensinar-me como nadar supostamente… Lembro-me que a primeira vez que fiz mergulho e fui lá abaixo senti que estava num outro mundo, parecia que estava numa outra galáxia. O que me permitiu ver esse mundo diferente foram os corais. As cores, as formas, os tamanhos. Não conseguia sequer acreditar que havia algo assim ali e sou uma das pessoas com mais sorte do mundo por ter o Mar Vermelho mesmo ao lado e aquilo que mais me assusta é que um dia possamos nunca mais ter isto. Parte-me o coração pensar num futuro sem recifes de corais e tornou-se um dos meus objetivos de vida garantir que tudo isto que estou a descrever se mantém para as futuras gerações…”.

Salma Shaker pode não ser um nome que faça soar campainhas quando é ouvido. No seu mundo, um mundo que é seu para que se torne de todos, é ainda uma jovem mas com muito para contar. Logo à cabeça, o facto de ser nove vezes recordista nacional de mergulho da Arábia Saudita. O pai estudou geologia marinha toda a vida e tudo o que sabe está de alguma forma ligado ao mar. Tão depressa construía marianas como passava horas a pescar, tão depressa era o capitão de uma embarcação como se perdia na paixão do mergulho. Essa tornou-se quase um gene hereditário que Salma começou a revelar com apenas dez anos. Até hoje. Para sempre. O curso de design de produção foi completado na Universidade de Effat mas agora já pensa no mestrado em Conservação Marinha a par dos desafios num desporto como o mergulho e não só.

Foi em 2019 que houve clique que fez passar o mergulho de hobbie a “profissão”. Nesse ano conheceu a sua instrutora, Mariam Shalan, num curso para suster a respiração. Um, dois, três minutos. Conseguiu causar uma impressão tal que logo no primeiro dia foi convidada para fazer mais cursos até entrar em competições. Nessa altura, era uma das únicas mulheres sauditas no mergulho livre mas nem por isso desanimou. Pelo contrário. Foi a mais provas, quis enfrentar mais desafios, arriscou ir mais longe – tão longe que chegou aos 60 metros de profundidade sempre a olhar para mais um pouco de recorde. Dentro desse espírito mais virado para a competição, viu outros “troféus” e foi assim que começou a investigar mais sobre tudo o que envolvesse os ecossistemas marinhos, os corais de conservação e como o aquecimento global que levou ao aumento das temperaturas começou a ter impacto nos recifes que tão bem conhecia no Mar Vermelho.

Foi esse perfil e toda essa ligação que colocou Salma como a personagem central do novo documentário do Discovery Channel que vai estrear na noite desta sexta-feira, “Sob a Superfície: A Luta Pelo Coral”. O trabalho contado pelos olhos da jovem saudita mostra o trabalho feito no país a partir da exploração dos corais do Mar Vermelho para mostrar como se tenta proteger os recifes e como essa informação é depois partilhada entre cientistas que tentam salvar outros locais em risco das Caraíbas à Austrália naquele que foi o ano mais quente alguma vez registado. Objetivo? Encontrar respostas para as questões levantadas pelo aquecimento global e ligar as descobertas entre continentes para tentar salvar o risco que os oceanos correm.

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“Este documentário pretende destacar a beleza e a vulnerabilidade de todas estas maravilhas subaquáticas e enfatizar a importância da colaboração global na preservação dos nossos oceanos”, explica John Pagano, CEO do Red Sea Global Group, uma das entidades de maior relevo na temática a par da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah. Foi em Dabah, no Egito, que Salma Shaker foi contactada pela equipa de produção para dar a cara pelo projeto. E foi nesse papel que falou com o Observador sobre o trabalho.

Salma Shaker já bateu por nove vezes o recorde saudita de mergulho livre

Conheceste a tua instrutora em 2019 num curso de como aguentar a respiração e a partir daí foste fazendo história. Se soubesses que terias esta ligação tão forte ao mergulho, tinhas feito na mesma o curso de design de produção?
Quer o meu pai, quer a minha mãe foram sempre pessoas que dão muito apoio, estivesse ou não ligado com o mar. Foi tanto assim que, quando entrei no mergulho, entrei meramente como um simples hobbie. Eu já adorava ver e tinha de experimentar. Sempre fui boa a suster a minha respiração. A parte da competição foi mais com os meus irmãos. Depois, apenas uma semana a seguir a terminar o meu curso, a minha instrutora deu-me um grande suporte. Quando a competição apareceu pela primeira vez, não estava nada preparada para isso mas foi ela que me empurrou para isso porque viu em mim potencial e os meus pais ficaram muito satisfeitos por ter encontrado um desporto e uma paixão. Não acho que tenha sido algo planeado, aconteceu de uma forma muito natural na minha vida.

E admitias fazer um mestrado na conservação marinha se não fosse este documentário?
Sempre quis fazer algo que estivesse ligado ao mar, queria fazer mais do que o mergulho mas não sabia ao certo o quê. Por isso, sabia que tinha de estudar para conhecer mais, para fazer parte, não apenas para ter uma graduação mas também para ter mais informações com pessoas que me entusiasmam a estudar e a trabalhar. Fazer este documentários foi aquilo que puxou por mim. Já dei entrada com um pedido para a Universidade de Miami e foi uma excelente escolha. Na verdade, fiz esse pedido para estudar em específico com uma das especialistas, a doutora Claire Paris. Ela é uma referência para mim. É uma pessoa fantástica e quando lá fui, fiz questão de visitá-la. Depois de ver o documentário, os cientistas, o trabalho árduo que fazem, ganhei outra opção. Adorei estudar com a doutora Raquel e escolhi-a como a minha conselheira. Vou ver qual será o meu caminho no futuro mas, qualquer que seja, ficarei feliz por ele.

Continuas a pensar que o mergulho livre é um desporto onde a parte mental é ainda mais importante do que a física?
Mergulho, podia falar de mergulho o dia todo… Quando comecei no mergulho, olhei para ele como um desporto físico. Era isso que procurava, para me deixar mais forte e para me fazer mexer, mas fiquei quase chocada quando percebi que tinha muito mais de mental do que de físico em termos de desporto. Uma das grandes partes do mergulho livre é a meditação e imaginar essa meditação. Quando comecei, tinha as minhas lutas com aquilo que nós chamamos de ‘demónios’. Os ‘demónios’ apareceram. É algo assustador, profundo. Por isso é que grande parte do trabalho é meditação com imagens, que basicamente passa por estarmos deitados de costas a imaginar o mergulho do início ao fim, múltiplas vezes, centenas de vezes. Fazendo isso, se estou a tentar um novo recorde é como sentir que já antes tinha batido esse recorde.

"Sabia que tinha de estudar para conhecer mais, para fazer parte, não apenas para ter uma graduação mas também para ter mais informações com pessoas que me entusiasmam a estudar e a trabalhar. Fazer este documentários foi aquilo que puxou por mim. Já dei entrada com um pedido para a Universidade de Miami e foi uma excelente escolha."
Salma Shaker

Era algo que já sabias que seria assim?
É quase como jogar com o nosso subconsciente e era essa parte que não sabia quando comecei, que era um desporto mais mental do que físico. Mas claro que também tem a sua parte física, sobretudo quando vamos para águas mais profundas. Agora consigo perceber o que significa mergulhar 60 ou 70 metros, tem mais de parte física do que até aqui, mas o mais importante é o mental. Se eu não estiver bem num dia, se não estiver a imaginar o mergulho em termos mentais, não vou conseguir mesmo que o corpo esteja pronto.

Como é um dia normal numa atleta de mergulho livre?
Normalmente antes da competição vamos para uma espécie de acampamento, um estágio, e tenho um hub que é desenhado apenas para isso, para que não tenha nenhuma distração. Acordo muito cedo, entre as cinco e as seis da manhã. A seguir faço os alongamentos matinais, depois faço os alongamentos mais longos e a seguir faço a minha meditação, começo a imaginar aquilo que tenho pela frente. Provavelmente o mergulho só será às 10h ou às 11h mas acordo muito mais cedo para que o meu corpo esta preparado física e sobretudo mentalmente para o que vai acontecer. A seguir vou para o local e faço o meu mergulho. Mas especialmente se estiver à procura de um novo recorde, não passo assim tanto tempo na água porque um mergulho de 60 metros tem impacto no corpo. Não se pode fazer isso uma segunda vez, não é como se estivesse a treinar, a fazer um trabalho físico ou de resistência. Com mergulhos profundos é diferente.

Em quê?
Estou na água 15 minutos e depois tenho o dia todo, por volta do meio-dia como a minha primeira refeição porque até lá de manhã não como nada. Gosto de fazer mergulhos com o estômago vazio, faz com que me sinta mais leve. O dia a seguir faço exatamente a mesma coisa, costumo ir dormir por volta das 20h depois de rezar. Essa parte de voltar a fazer tudo outra vez é um pouco aborrecido mas é assim. Tentamos comer de forma saudável, temos cuidado com as escolhas, nada de refeições pesadas. Precisamos de nos sentir leves, o nosso sistema digestivo tem de estar bem. Tento não comer assim tanta carne porque é mais complicada para a digestão, por isso prefiro focar-me no peixe, também nos peitos de frango… Não é nada de muito excitante a não ser naqueles 15 minutos do dia e depois fico à espera dos próximos 15 minutos…

Salma Skaher foi convidada no Egito pela equipa de produção do "Sob a Superfície: A Luta Pelo Coral" para ser a protagonista do documentário

O que é que te impressionou mais ao longo do documentário? Como é que alguém que ama o mar e os recifes de corais vê aquilo que aconteceu nas Caraíbas e as lágrimas de quem faz esses testemunhos no documentário?
Honestamente, sempre que estou no mar, sempre que vejo o mar e sempre que mergulho consigo ver algo novo, consigo aprender algo novo, consigo amar algo novo. Apesar de ser a mesma vista ou até o mesmo lugar continuo a sentir que é a melhor coisa coisa. Essa é a melhor forma de descrever o mar ou o mergulho a alguém que não faça mergulho: é um novo mundo, é a galáxia, é o espaço, é algo que parece não ser real. É algo incrível. Pode ver-se na TV mas não estando lá… Parece que estamos numa outra área, num mundo à parte, um mundo deles que é fascinante e que conseguimos criar conexão quando estamos no mar.

Como é que descrever o mar e aquilo que vês num mergulho de profundidade?
Estamos na cidade [Jeddah] mas estamos numa cidade costeira, o que faz com que estejamos também no mar. Gosto muito de viver na cidade mas para mim o mar é uma coisa à parte. O mar é paz, é calmo, é o sítio onde gosto de ir quando estou um pouco mais triste porque consigo deixar tudo isso de parte. O mar apaga-me as tristezas e faz sentir-me mais leve. É um sentimento incrível quando tens algum peso porque entras no mar, mergulhas e é como isso te levasse toda a negatividade e te coloque como uma nova pessoa. É mesmo um sentimento indescritível, não há nada como a paz e a calma que o mar consegue oferecer.

"Gosto de futebol, costumo ver futebol. É um desporto de família e claro que gosto muito do Ronaldo. Um dia adorava poder fazer mergulho com ele, agora que está na Arábia Saudita."
Salma Shaker

Em termos práticos, como se pode combater as alterações climáticas com todos os efeitos que produzem e que são falados no documentário? O que é que precisamos fazer para que as novas gerações não tenham de viver o que vivemos hoje?
A primeira coisa que posso dizer sobre o documentário é que fico contente por fazer parte, por ter todas as oportunidades de conhecer pessoas fantásticas como se não fizesse parte. Acredito que não teria hipótese de conhecer todos aqueles incríveis cientistas e aproveitar os momentos em que as câmaras estavam desligadas para fazer perguntas, aprender mais e sentir a sua paixão. Foi essa paixão que me entrou no coração e fez com que quisesse saber cada vez mais. Fico em choque quando vejo o que se passa em alguns recifes de corais como aqueles que existem nas Caraíbas, ver aqueles cientistas a não conseguirem evitar as lágrimas… Não consigo imaginar estar nessa posição e não consigo pensar no Mar Vermelho daquela forma. Não sei o que podemos fazer, sei que temos de fazer porque ia matar-me ver assim o Mar Vermelho. Senti a paixão mas senti também a dor que sentem ao ver essas transformações. Acredito que se conseguirmos tocar no coração de alguém a propósito de todas as alterações climáticas, um dia essa pessoa fará o mesmo. É assim que se consegue influenciar. Falar, falar, falar, passar a palavra e o conhecimento.

A Arábia Saudita tem investido muito no desporto, no futebol, no golfe, em várias modalidades. Tens acompanhado esse boom no país? E como vês o papel das mulheres no desporto do país?
Gosto de futebol, costumo ver futebol. É um desporto de família e claro que gosto muito do Ronaldo. Um dia adorava poder fazer mergulho com ele, agora que está na Arábia Saudita. Em relação ao papel das mulheres no desporto da Arábia Saudita, penso que o meu país está a dar cada vez mais apoio, estão a dar o passo em frente para nos encorajarem e apoiarem. É fantástico perceber e poder viver isso porque quando comecei a fazer mergulho as coisas não eram assim em relação às mulheres, tínhamos apenas três em Jeddah e mais três em Riade. Éramos muito poucas em salas que tinham quase só homens, agora o número é quase igual. Ainda são mais mas estamos a chegar lá.

Como os testes nos corais do Mar Vermelho podem ajudar os recifes de todo o mundo

O documentário “Sob a Superfície: A Luta Pelo Coral” mostra como os testes que têm vindo as ser feitos nos corais do Mar Vermelho podem ajudar depois os de todo o mundo, com o centro de todos esses estudos na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah (KAUST), na cidade saudita de Thuwal.

“São ecossistemas maravilhosos. Aqueles animais minúsculos criam a estrutura tridimensional que suporta 30% de toda a vida marinha. A maioria dos organismos vivos dependem do microbioma existente. Produzem vitaminas, ajudam-nos a combater doenças e são cruciais para a maioria dos organismos, incluindo corais. O problema é que, quando os corais são expostos a qualquer impacto, como ondas de calor e o aumento da temperatura do mar, tendem a ser substituídos por agentes patogénicos. Aí, os corais têm dois problemas: a ausência dos benefícios, como vitaminas e micróbios que afastam os agentes patogénicos, e a presença dos agentes patogénicos. Isso faz com que apareçam doenças e a biodiversidade tenha diminuído. É aquilo que tentamos evitar”, explica Raquel Peixoto, especialista que é uma das responsáveis da KAUST.

“Com os testes que estamos a fazer a introdução de probióticos, não só conseguimos combater o efeito de branqueamento nos corais como a mortalidade também reduziu. Na minha opinião, o Mar Vermelho tem os probióticos mais eficazes do mundo e foi por isso que os corais sobreviveram aqui num contexto mais difícil e com condições mais exigentes do que no resto do mundo. É isso que traz esperança para que seja possível acelerar essa adaptação noutros recifes do mundo e foi por isso que vim para aqui”, acrescenta.

“No trabalho que fazemos no Mar Vermelho, o nosso grande objetivo é apurar se os probióticos inseridos nos corais contribuem para a saúde destes corais e os resultados têm sido muito bons. Mas os probióticos estão apenas a ganhar tempo, isto tem de ser uma iniciativa global para que os recifes corais consigam combater o aquecimento global”, destaca Raquel Peixoto, que ao longo do documentário vai mostrando os contactos que são feitos com outros biólogos do mundo, nomeadamente nas Caraíbas e na Austrália.

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