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© Hugo Amaral/Observador

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"Pebolim é matraquilhos". E vão chegar às escolas

Estiveram décadas só nos cafés e tascas, mas há oito anos uma federação deu-lhes a competição. Portugal já foi campeão do mundo de matraquilhos e falta pouco para os ter, gratuitamente, nas escolas.

É a primeira mesa a cruzar caminho com quem entra. Está logo ali, à entrada, a dar as boas-vindas e a lembrar, pela aparência, como tudo começou. É pesada e feita de madeira, cheia de bonecos pintados à mão, com direito a caras e equipamentos de cores fiéis a clubes de outro futebol. “É o Rolls Royce cá do sítio. Comprei esta mesa há uns 20 anos”, exalta o dono, com um boné vermelho a tapar-lhe a cabeça. Pouco passa das 22h e Pedro Pereira está com as mãos coladas a dois varões, os que mandam mexer o guarda-redes e os defesas. Ao lado tem um amigo de cabelos brancos e da mesma geração, a que conta mais de cinco décadas de vida e várias passadas a praticar o mesmo. “Aqui jogamos em casa”, congratula, arrancando a Carlos Torres um riso que serve de concordância.

Caso não servisse, bastava olhar para a bola que mais vezes entrou na baliza guardada por quem jogava do outro lado da mesa: um rapaz e uma rapariga, ambos com menos de 30 anos, ambos sorridentes e, com o passar dos minutos, ambos também perdedores. “Nem sabem como elas entram! Por isso é que os trazemos para aqui”, justifica Pedro, contente por estar agarrado à “típica mesa portuguesa”, com cinzeiros a guardar cada canto e tudo. Tal e qual às “sete, oito ou nove” que “antigamente, quando era jovem”, detetava quando entrava em qualquer café. Mas distinta das que, já a partir do próximo ano letivo, a Federação Portuguesa de Matraquilhos e Futebol de Mesa (FPM) pretende introduzir em escolas pelo país fora, como revelou em dezembro.

Essas já serão de competição, com bonecos que podem ser de plástico, balizas maiores e homologadas pela federação. Ou seja, mesas a sério da modalidade que, consoante a língua, se chama matraquilhos, pebolim (já dizia o brasileiro Luiz Felipe Scolari, ex-selecionador nacional de futebol), table football ou futbolín.

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Porque já lá vão os tempos, embora não muito distantes, em que os matrecos, em bom português, deixaram de ser apenas a companhia que, a troco de uma moeda, se juntava aos copos, à comida e à conversa para entreter pessoas num bar. Agora já não. “O homem que fez isto até já morreu”, diz Pedro Pereira sobre a tal mesa à antiga, gasta pelo uso, única dos tempos de café que ocupa espaço na sede da Associação de Matraquilhos do Distrito de Lisboa, à qual preside. É ali, em São João da Talha, numa sala vasta e nada tímida em iluminação, que recebe o Observador.

A sede da Associação de Matraquilhos do Distrito de Lisboa, em São João da Talha, tem 19 mesas e serve de Centro de Treino e Formação para a modalidade © Hugo Amaral/Observador

© Hugo Amaral/Observador

O espaço respira matraquilhos. Uma parede segura galhardetes de torneios, outra aguenta uma corda que aguenta dezenas de cabides, cada um com uma camisola oficial de jogo pendurada (vindas desde a África do Sul ao Irão), e em outras vêem-se desenhos, ao estilo graffiti, com símbolos e frases da associação. Ao fundo da sala, em cima de uma espécie de palanque, estão quatro vitrinas que guardam mais de 20 troféus e medalhas. Depois, claro, há o chão a aguentar as 19 mesas de matraquilhos.

Várias são do mesmo modelo, homologado pela federação e utilizado nas competições nacionais. Outras usam-se mais “lá fora” e estão ali para quem por cá joga se ir habituando ao que pode encontrar nas provas internacionais. Tudo o que é mesa oficial está aqui e muitas têm até os bonecos feitos em plástico e mais afastados entre si, em cada varão, ou pintados todos de só cor, consoante a equipa à qual pertencem.

Em todas, contudo, a bola só rola caso seja embalada por coisas que não costumam aparecer quando um grupo de amigos se lembra de matraquilhos — as regras. Quando a modalidade passa de brincadeira a desporto, não há cá lançamentos de bola com a mão após cada golo marcado, ou o boneco do guarda-redes a fazer roletas (girar sobre si mesmo) para rematar. Nada disso. “Há 28 regras”, começa por explicar Pedro, abanando a cabeça em resposta aos hábitos populares de matrecos que os jornalistas enumeram. “As básicas são a bola sair do meio, sobre o tampo, e o protocolo ‘pronto’”, indica, ao falar da obrigação dos jogadores em perguntarem “se o adversário está pronto a recomeçar” quando “repõem a bola em jogo”, depois de sair da mesa ou ficar presa. Estas, garante, são “a base” dos matraquilhos que se tornaram federados em 2007.

Até aí a modalidade ainda não era encarada a sério no país. E continua a nem sempre o ser, mesmo que a cassete não tenha que rebobinar muito rumo ao tempo em que o sucesso passou a ser amigo dos matraquilhos: em janeiro de 2013, por exemplo, Portugal foi campeão mundial de juniores. Eram cinco os atletas que, na altura, foram à cidade francesa de Nantes e trouxeram de volta medalhas. Um deles estava ali mesmo, na associação, e até aprendera a jogar na tal velhinha mesa de madeira, à antiga, que o pai, Pedro Pereira, guarda e mantém com carinho. “Desde pequenino que jogo matraquilhos com ele, praticamente nasci em cima de uma mesa”, confessa Reinaldo, já com um corpo, uma altura e um tamanho que o fazem parecer ter uma idade para lá dos 17 anos que conta.

Reinaldo foi campeão mundial de juniores em 2013 e "praticamente" nasceu numa mesa de matraquilhos por culpa de Pedro, o pai. © Hugo Amaral/Observador

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Sempre teve os matraquilhos por perto e quando a federação apareceu não tardou a praticá-los em competição. Para ele são um desporto, embora admita, com um encolher de ombros, que “as pessoas ainda pensam que isto é um jogo de cafés, de bares e de coletividades”. Reinaldo diz que sim e aprova a hipótese de as mesas profissionais chegarem às escolas e não pedirem uma moeda para colocarem uma bola a rolar no tampo. “Isso vai arranjar mais praticantes e dar maior competição ao desporto”, resume, lembrando que os matraquilhos, sobretudo, trariam “divertimento aos miúdos”.

E não só, pois agarrar um varão, rodar o pulso e instruir bonecos a baterem numa bola também faz bem a outras coisas. “Melhora a destreza e a capacidade de raciocínio. Se formos falar de aeróbica, claro que não será o melhor dos desportos. Mas se tivermos aqui a jogar duas horas seguidas acabamos a sentir os braços”, assegura Pedro Pereira. Cada jogo se decide “à melhor de cinco partidas” e cada uma delas tem nove bolas para utilizar, explica, antes de interromper o entusiasmo que sempre dá à conversa — para lamentar o facto de “ter vivido” até aos 45 anos para, só a partir daí, “ver competição” e sentir “uma adrenalina extra”.

Hoje está com 52 e aponta os 17 do filho como exemplo de quem “começou a jogar praticamente” num ambiente como o ilustrado num dos quatro cartazes gigantes, pendurado, na vertical, numa das paredes do espaço, mostra: uma mesa, quatro jogadores equipados com cara séria, boca fechada, um árbitro também vestido a rigor e público à volta. Um jogo a sério, portanto. “Já viu o que é ter câmaras, a Eurosport a filmar e mil pessoas a assistirem?”, questiona, depois. Nós nunca, mas Reinaldo, o filho, já o viu várias vezes e talvez por isso se ri e diz que “não [sente] muita pressão”. Culpa de uma imunidade de campeão ou de ter crescido com os matraquilhos já com direito a competição? Uma e outra estarão certas, já que o mesmo se passou com Inês Salvador.

Tem 24 anos, é mais velha, mas pouco tempo demorou até ganhar uma medalha em troca das proezas que conseguiu numa mesa de matrecos. Já jogava há “uns aninhos”, embora só em 2013 se tenha filiado na associação de Lisboa. Antes, e por influência de “amigos com quem jogava” e “faziam já parte da federação”, começou a “apanhar o gostinho”. Não o deixou ficar insonso e insistiu em aprimorá-lo “quase todos os dias”, durante os “intervalos e horas de almoço na faculdade”. Era lá que estava a mesa de matraquilhos que, não sendo “a melhor de todas”, servia para o que todos queriam. Valeu a pena, pois já este ano Inês sagrou-se campeã nacional. Fora do “círculo de amigos”, confessa, “quase ninguém sabe” sequer que existe uma federação.

Um desconhecimento que a própria FPM quer combater nas escolas. A intenção, por agora, ainda não passou de conversas e negociações, com os estabelecimentos de ensino e as autarquias. A fase “ainda é embrionária”, mas Ricardo Vieira acredita que tudo está bem encaminhado para, a partir de 2016, até haver um campeonato nacional de matraquilhos de desporto escolar. “A ideia passa por criar uma alternativa às modalidades existentes, colocando mesas de matraquilhos gratuitas nas escolas para que, pelo menos, as crianças tenham o primeiro contacto com a modalidade”, explica o vice-presidente para a área desportiva da federação. Para que tal aconteça, a federação, as escolas e os municípios terão de repartir entre 700 e 750 euros, preço das mesas oficiais, nacionais, que a entidade pretende utilizar. Já as internacionais, revela Pedro Pereira, custam entre os 1.000 e os 1.600 “e tal” euros.

Depois há a necessidade de renovar as seleções mais novatas de Portugal. Ou seja, olhar para a formação, uma das “principais lacunas” do país. “Aos poucos, como é um desporto divertido e muito interativo, vão-se atraindo miúdos que talvez não gostam muito de educação física. É fácil de captar praticantes”, antevê Ricardo Vieira, sublinhando o “desporto muito físico” que, mesmo não parecendo, os matraquilhos acabam por ser. “É preciso ter muita perícia para dominar a bola e fazer determinadas fintas e movimentos. Essencialmente movimenta mais a parte de cima do corpo, mas os atletas, ao terem de jogar em pé, têm sempre uma componente física. Chegam de rastos ao fim dos torneios”, analisa. A competição veio reforçar tudo isto, mas o dirigente está ciente de uma coisa — “não podemos negar as raízes dos matraquilhos.”

A conversa, esta por telefone, retornou portanto aos cafés, bares e às tascas, locais onde esta “modalidade popular nasceu” e “está enraizada”. Por lá foram ficando ágeis e hábeis os pulsos de quem, com os anos, foi praticando truques e até limando alguns à moda portuguesa. Tanto que hoje, em competições internacionais, Pedro Pereira só veja certos movimentos a serem executados por portugueses.

Como a paradinha, quando um jogador para a bola no boneco da ponta, à frente e, simulando que a vai arrastar para o meio, dá-lhe apenas um toque para que, devagar, a bola entre na baliza junto ao canto mais próximo. O português e os matraquilhos combinam, como uma relação inata, defende Pedro. O potencial, insiste, está todo por cá, e o problema é que já fugiu muitas vezes para ir brotar noutras paragens. “Se percorrer as seleções mundiais há muitos jogadores portugueses naturalizados”, lamenta.

Mais do que talento, o presidente da associação distrital de matraquilhos de Lisboa vê o jeito português como “genético”. Seja dos pulsos, dos braços ou da concentração, justifica a crença com os “miúdos que tomam contacto com as mesas e, três anos depois, são campeões do mundo”. E Pedro lembra que “não são os treinos nem o contacto profissional” que os fazem, pois, em Portugal, “não há grandes condições” nem os atletas “vão assim tantas vezes aos campeonatos lá fora”. À modalidade ainda faltará dar um pulo, dos grandes, pois os atletas nacionais olham “para isto mais de uma forma lúdica”.

Um exemplo? As lesões. Mesmo raras, “lá fora vêem-se os atletas a aquecerem” antes dos jogos, demonstrando que “talvez olhem para os matraquilhos de uma maneira um bocado diferente”. Genética ou não, a verdade é que, de um praticante de anos e anos, veio outro que, na adolescência já conseguiu ser campeão do mundo. Pedro, o pai, e Reinaldo, o filho, são apenas um caso. Mas poderão haver mais por Portugal fora. E será nas escolas que os matraquilhos os tentarão caçar.

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