Que diferença fazem sete dias em política: há uma semana, havia um Passos Coelho; agora, parece que há muitos. É o primeiro-ministro que diz que “tudo para todos já” é uma “ilusão”; é o presidente da república que explica que não se pode “voltar ao ponto antes da crise”; é o ministro das finanças que acha que aos funcionários não basta exigir, têm de “merecer”. Por qualquer razão, a oligarquia havia decidido que esta maneira de ver e de falar não tinha a ver com a realidade ou o bom senso, mas apenas com Passos Coelho. Era, como ainda diz o Bloco de Esquerda, “retórica da direita”. Mas há uns tempos atrás, teriam sido quase todos os oligarcas a dizê-lo: alegar que não era possível dar tudo a todos, era “neo-liberalismo”; argumentar que não era viável voltar atrás, era “fascismo”; sugerir uma relação entre rendimentos e mérito, era, sei lá, “insensibilidade social”.

Mas isso era quando a prioridade era isolar e excluir Passos Coelho. Porque foi isso que esteve em causa desde Outubro de 2015: uma vez que os eleitores, nas legislativas desse ano, não o fizeram, teve de ser a oligarquia a entender-se para o afastar do governo. Tivemos assim a actual maioria social-comunista. Esta maioria, porém, jamais correspondeu a uma verdadeira alternativa. O PS não rompeu com o Euro e o Tratado Orçamental, nem o PCP e o BE, votando embora os orçamentos, admitiram que este fosse um “governo de esquerda”. O que António Costa fez foi, até agora, satisfazer o funcionalismo sindicalizado do PCP. Nunca isso teve uma lógica económica, nunca foi keynesianismo, mas apenas um expediente político, compensado depois por “cativações” e cortes de investimento muito anti-keynesianos.

Porque é que os oligarcas tinham medo de Passos Coelho? Porque, entre outras razões, viram como deixara cair Ricardo Salgado e José Sócrates. Pela primeira vez em Portugal, o mercado e a justiça puderam funcionar sem manipulação política. Os oligarcas ficaram horrorizados. Não porque gostassem de Salgado ou de Sócrates, mas porque imaginaram que também eles não poderiam contar com Passos Coelho para favores e protecções. Era preciso, desse por onde desse, tirá-lo do governo. O PCP e o BE, ambos em crise, ajudaram.

Com Passos Coelho finalmente fora de jogo, o mundo mudou para os oligarcas. De repente, a pressão do sindicalismo comunista começou a ser uma irresponsabilidade, e a possibilidade de o BCE descontinuar o financiamento dos défices e dívidas, uma realidade a ter em conta. Viu Costa finalmente a verdade? Não brinquemos. Quem, em Agosto de 2005, congelou a progressão automática nas carreiras da função pública? Um governo em que António Costa era ministro. A oligarquia sempre soube o que agora finge ter descoberto: quando não há dinheiro, não há dinheiro. Com o dinheiro do BCE, o turismo e o efeito de arrasto do crescimento económico europeu, qualquer governo teria feito reposições. Aliás, esse era o grande perigo para os oligarcas em 2015: deixarem que fosse Passos Coelho a aproveitar a folga.

Para se livrarem do líder político que mais os incomodou nos últimos vinte anos, a oligarquia teve de fingir acreditar que o ajustamento da troika teria sido apenas “ideológico”, isto é, desnecessário, e que portanto bastaria afastar Passos para entrarmos num mundo em que era possível voltar atrás e dar tudo a todos. Talvez tenha havido gente iludida. Mas os oligarcas, pela sua parte, nunca tiveram ilusões. Isto foi sempre um exercício do mais frio cinismo. Terão os portugueses percebido que foram vítimas, nos últimos dois anos, de uma enorme fraude política?

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