Já por algumas vezes aqui escrevi sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Os principais indicadores são conhecidos por todos. Para as mesmas qualificações e categoria profissional, os homens ganham, em média, mais do que as mulheres. Estes estudos estão feitos para muitos países e a diferença salarial estimada raramente é inferior a 15%. No caso português, as últimas estimativas credíveis que conheço apontam para uma diferença de 23% entre homens e mulheres com qualificações semelhantes.

Um outro resultado que emergiu mais recentemente na literatura económica tem a ver com diferenças salariais em função da orientação sexual. Vários estudos indicam que as lésbicas têm um prémio salarial — salários mais altos — quando comparadas com as mulheres heterossexuais e os gays (ao longo deste artigo usarei este termo para me referir a homossexuais masculinos) são penalizados em relação aos heterossexuais masculinos. É quase como se os homossexuais constituíssem uma categoria intermédia entre homens heterossexuais (no topo) e mulheres heterossexuais (na base). Se seria verosímil admitir que os gays são discriminados, custa mais a crer que as lésbicas sejam positivamente discriminadas, ou seja beneficiadas, em relação às mulheres heterossexuais. Uma explicação, ainda mais difícil de acreditar, seria que as lésbicas se comportam como homens e os gays como mulheres e que, portanto, as diferenças salariais esbatidas resultariam destas diferenças comportamentais também atenuadas.

Um estudo muito recente de três economistas — Aksoy, Carpenter e Frank — trouxe alguma luz a este debate. O trabalho já foi cientificamente validado e será publicado em breve na prestigiada revista Industrial and Labor Relations Review, sediada na Cornell University. Os autores, usando dados de inquéritos para centenas de milhares de trabalhadores no Reino Unido, procuraram perceber de onde vinham as diferenças salariais relacionadas com a orientação sexual. Os dados dos inquéritos eram suficientemente ricos para distinguir casados (uso indistintamente este termo para significar casamento ou união de facto) de solteiros (uso este termo para me referir a pessoas que vivam sozinhas). Os resultados foram surpreendentes (ou talvez não).

De acordo com dados estudados, entre os homens, não há qualquer diferença salarial entre um gay solteiro e um heterossexual solteiro. Já quando olhamos para casados, os resultados indicam que gays ganham menos 5% do que heterossexuais. Olhando para as mulheres solteiras, os autores concluem que as lésbicas e as heterossexuais têm salários parecidos. Entre as casadas, as lésbicas ganham mais 7% do que as heterossexuais. Estas diferenças salariais já são líquidas de outros efeitos, como a existência de filhos, educação, etnia, etc.

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Se é relativamente fácil estimar as diferenças salariais, já não é tão fácil explicar de onde vêm elas. Em particular, para se saber se a disparidade salarial resulta de desigualdades de produtividade, seria necessário ter dados sobre a actividade das empresas. E, claro, se se concluísse que as produtividades eram diferentes, seria necessário perceber os motivos dessa diferença. Infelizmente, provavelmente por falta de dados, o estudo que referi acima é omisso relativamente isso.

No entanto, numa tese de doutoramento sobre desigualdades salariais para a Dinamarca de que em tempos aqui falei, Yana Gallen concluiu que grande parte das diferenças de produtividade entre homens e mulheres estava relacionada com obrigações familiares. Mulheres e homens sem filhos tinham produtividades laborais semelhantes, mas, quando havia filhos, as mulheres eram substancialmente menos produtivas do que os homens. Ou seja, o facto de as tarefas domésticas recaírem, principalmente, sobre elas reflectia-se negativamente no local de trabalho.

Os resultados de Aksoy, Carpenter e Frank dão apoio empírico adicional a esta tese. Se nos casamentos heterossexuais, o grosso das responsabilidades familiares recai sobre as mulheres, num casamento homossexual, por definição, essa distinção de género não existe. Qualquer que seja a divisão de tarefas dentro do casal homossexual, em média cada um (ou cada uma) suportará metade das tarefas. Assim, em média, repito, quem está numa relação com alguém do mesmo sexo será menos produtivo do que um homem heterossexual e mais produtivo do que uma mulher heterossexual. Ou seja, e mais uma vez, este estudo parece confirmar a tese de que as desigualdades nas lides domésticas contaminam as relações laborais, explicando por que motivo os gays casados ganham menos do que os homens heterossexuais e por que motivo as lésbicas casadas ganham mais do que as mulheres heterossexuais.

Quer isso dizer que as desigualdades salariais resultam exclusivamente de diferenças de produtividade no local de trabalho? Certamente que não. O mais provável é que os dois efeitos se reforcem mutuamente. Voltando ao estudo para a Dinamarca, se era verdade que mulheres sem filhos eram tão produtivas como os homens sem filhos, também era verdade que os seus salários eram 12% mais baixos. Com esta diferença salarial estão criadas as condições para que, quando e se houver filhos, no momento da partilha de tarefas, a mulher se especialize nas tarefas domésticas, tornando-se menos produtiva no local de trabalho, o que valida a sua primeira decisão e por aí fora, com efeitos cumulativos que são fáceis de perceber.

Que retirar de toda esta informação? Se se pretender combater a desigualdade de género no mercado laboral, então é preciso ter cuidado com as políticas propostas. Políticas que reforcem o estereótipo da mulher cuidadora, mesmo que bem-intencionadas, tenderão a alimentar a discriminação no local de trabalho. O caminho a ser trilhado deve ser o oposto. Mais do que criar condições para que as mulheres possam compatibilizar o apoio à família com as suas actividades profissionais, urge criar esses incentivos para os homens.