Perante cada barbaridade do terrorismo islâmico na Europa e na América, percorremos sempre o mesmo caminho.

Primeiro, há a demora em admitir que se trata de um atentado. A seguir, vem a reserva sobre a identidade do autor. Depois, a incerteza sobre as suas cumplicidades e filiações. Nesta relutância em reconhecer a realidade, não há apenas uma prudência preliminar: há, muito claramente, o desejo desesperado de que não haja a lamentar senão um acidente trágico, a selvajaria de um doido ou, quando muito, o ataque desenquadrado de um “lobo solitário”.

Por fim, quando já não pode haver dúvidas de que se trata de uma atrocidade planeada por um jihadista imigrante ou filho de imigrantes muçulmanos do Médio Oriente ou do Norte de África, com sócios entretanto presos, como aconteceu agora em Manchester, jorram as admoestações do costume: o terrorismo quer-nos dividir, e nós temos de nos manter unidos; o terrorismo contesta o nosso modo de vida, e nós temos de prosseguir as nossas vidas o mais habitualmente possível. Como se tudo dependesse apenas de nós e dos sentimentos que ostentamos nas redes sociais.

Há muitas sociedades, no Médio Oriente ou em África, para quem o horror jihadista é parte do quotidiano. As democracias ocidentais, porém, não estão preparadas para aceitar as bombas como uma nova normalidade. Porque a nossa liberdade requer segurança, mas também porque não é compatível com todas as formas de segurança. É significativo, a esse respeito, que em Manchester, tal como em quase todos os últimos atentados, o perpetrador fosse alguém conhecido da polícia pelas suas ideias ou conexões islamistas. Mas as nossas autoridades não privam ninguém de direitos apenas pelas suas origens ou convicções, antes de provada a conspiração para cometer um crime. Até quando, sob a pressão do terrorismo, será assim?

A tese de que os terroristas nunca vencerão tem o conforto da nossa supremacia tecnológica. Mas não é pelo nivelamento tecnológico que os jihadistas nos ameaçam. É pela aglomeração do nosso mundo com o mundo deles. A Europa, no tempo dos impérios, quando administrava a África e policiava a Ásia, estava separada por longas viagens desses mundos exóticos. Em 1881, houve uma grande revolta jihadista no Sudão, liderada por um auto-denominado Mahdi. O público ocidental seguiu o acontecimento pelos jornais e alguns livros. Hoje, através das migrações e dos meios de transporte e de comunicação, essa distância desapareceu: o Sudão do Mahdi fica actualmente nos subúrbios de Manchester, de Paris ou de Berlim, porque com as pessoas vêm as suas culturas.

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Os regimes ocidentais promoveram a circulação, com muitos benefícios. Agora, não têm solução para os seus efeitos secundários. Uns pensam em acabar de ocidentalizar a África e o Médio Oriente, através da intervenção militar; outros esperam integrar os que vão chegando; e outros ainda, exigem o encerramento das fronteiras. Mas, como se tem visto, faltam os consensos e os recursos não só para as intervenções e as assimilações, como também para os distanciamentos.

Por isso, faz-se o que se pode: manter a polícia atenta na Europa e na América, para não deixar a jihad desenvolver “células”, e ajudar aliados no Médio Oriente e na África, de modo a não consentir “santuários”. Mas que acontecerá se um dia os ocidentais se sentirem verdadeiramente fracos e inseguros, como é objectivo dos terroristas? Conseguiremos não nos tornar noutra coisa, por exemplo, em comunidades exclusivistas determinadas a retaliar brutalmente? Talvez pouca gente deseje isso, mas é uma ilusão pensar que é apenas uma questão de boa vontade e abertura de espírito.

No fundo, a única coisa que falta dizer sobre o terrorismo é evidente: pode mesmo mudar a maneira como vivemos, e também a maneira como pensamos. Por enquanto, no Reino Unido já há tropa na rua, como em França, e até Morrissey começar a estar farto do “politicamente correcto”.