Não me venham com histórias (ou históricos): é injustiça pura o financiamento público da Universidade da Beira Interior. É tão injusto que deverá ser matéria das instâncias da justiça. Concretizemos: do que estamos a falar quando uma jovem universidade é muito menos financiada do que outra só porque é mais velha? Estamos a falar de justiça e de equidade. Ou será que se mantém o direito de pernada no OE? Primeiro sirvo-me eu que já cá estava, e tu, que só chegaste depois ficas com o resto.

Não me conformo, protesto, exijo justiça.

Claro que o tom é de indignação, mas que outro tom se pode ter perante tamanha injustiça? Porque é que um aluno da UBI há-de ter um financiamento do OE inferior ao da Universidade de Lisboa? Porque é que os precários de Lisboa têm um tratamento diferenciado e privilegiado face aos precários da Covilhã? Há uma semana, uma jovem senhora atrás de um balcão numa superfície comercial da cidade, de touca, ao atender o meu pedido, perguntou-me com tristeza envergonhada: “O Sr. Reitor não se lembra de mim? Trabalhei na universidade.” Sim, lembrava-me, mas, à primeira vista, não a reconheci debaixo da touca. Sob a sigla de POC e a sina do IEFP, trabalhou, e bem, na UBI, mas como não tinha vínculo à função pública, não podia continuar. Outros, tão precários como ela a substituem agora.

Por favor, por favor, “não invoquem a palavra interior em vão” (citando Ricardo Costa no Expresso). Perante estes casos de injustiça vêm falar de coesão? Haja vergonha. Como se atrevem a falar de discriminação positiva para o interior quando uma das instituições mais sólidas desse interior nem sequer tem direito à equidade mais básica? Como se atrevem a falar de coesão quando a UBI é penalizada em 170.000 euros neste OE porque a dotação prevista a impossibilitava de fazer uma proposta de orçamento verdadeiro? A honestidade manda e a lei obriga a que não se escondam despesas e não se fantasiem receitas na preparação de um orçamento. Ora, na UBI há um défice de um milhão e duzentos mil euros no orçamento do próximo ano. Isso foi comunicado à tutela e explicado ao Parlamento em devido tempo. Um Estado que penaliza quem cumpre a lei é um Estado iníquo (parafraseando Miguel de Sousa Tavares). Para quem tiver paciência, e indignação suficiente perante o que escrevo, pode consultar os números e ler as explicações no discurso da minha tomada de posse como reitor da UBI em Setembro passado.

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Retomo ainda do Expresso de sábado, pág. 21, a indignação e a raiva da Prof. Helena de Freitas, primeira presidente da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, sobre o centralismo atávico da capital. O centro rico precisa de um interior pobre para exercer uma solidariedade constante, certa e permanente, e muito comovente. Quando, vindos de Lisboa, os políticos aparecem nas calamidades, incêndios, secas, e queda de pontes, é sempre sob o refrão de “Nós cá estamos para ajudar”. E, de facto, estão. Se o António Alçada Baptista fosse vivo, escreveria que o poder central tem no interior deprimido de Portugal o equivalente ao que as senhoras ricas, boas e piedosas da Covilhã tinham no antigo regime, cada uma ajudando o seu pobrezinho, de forma continuada. Importante, já então, era que o pobrezinho não gastasse a ajuda em vinho (no estilo Jeroen Dijsselbloem avant la lettre) e, sobretudo, nunca deixasse de se mostrar bem comportado, reverente e reconhecido.

Como é que Portugal poderia recorrer aos fundos de coesão comunitários se não tivesse os pobres de ofício? Lisboa não é zona de convergência, mas acaba de receber, efectivamente, mais dinheiro de fundos comunitários que qualquer zona do Interior. Depois de dezenas de anos a receber fundos de coesão europeus temos cada vez mais um país de risca a três quartos. Iniquidade é o que é. Chamem-se os bois pelos nomes.

E termino com a inânia. Muitos estudos comprovam que a vitalidade que resta nas regiões do interior é dada pelas universidades e politécnicos. Na Covilhã, a UBI recuperou uma parte significativa das ruínas fabris e converteu-as em faculdades. Fazendo uma conta muitíssimo por baixo (7 mil alunos x 300 euros x 10 meses por ano), a UBI injecta na economia local 21 milhões de euros, aos quais se somam ainda os 24 milhões de euros transferidos via OE e 4 milhões de projectos num total de 49 milhões por ano.

A tutela está centrada nos grandes projectos de parceria internacionais, com universidades de topo americanas e organismos de ciência mundiais, mas com Portugal a pagar. Como não quer dividir para reinar (como pretensamente fazia o governo da troika), nada faz, pese o facto de, sob as suas barbas, as instituições de ensino superior de Viana do Castelo ao Algarve enfrentarem dificuldades para pagarem salários ao fim do ano. No entretanto, inventou-se um mecanismo de interajuda entre as universidades e os politécnicos para que as que têm saldos cubram no final do ano as que não têm saldos e têm de pagar salários em falta. Para que serve uma tutela que se exime de apresentar um modelo de financiamento do ensino superior com critérios claros, racionais e quantificáveis? Para nada. Inânia pura.