Porque é que António Costa perdeu as eleições? A resposta, como é óbvio, é que ainda não perdeu. Mas é essa a pergunta que já toda a Lisboa oligárquica faz, muito impressionada pelas sondagens e pelos azares da campanha. A Europa tem-nos dado este ano motivos suficientes para desconfiarmos de primeiras impressões em campanhas eleitorais. Mas para a nossa oligarquia política, a simples possibilidade de uma derrota de Costa já é algo de incompreensível. E isso não apenas à esquerda, como à direita, porque a oligarquia é oligarquia antes de ser de esquerda ou de direita.
A primeira razão de perturbação é esta: um governo que corta rendas e muda hábitos tem de perder eleições. Este foi, durante décadas, um dos pilares da sabedoria oligárquica, e a explicação da abstinência reformista do regime. A imaginação dos nossos oligarcas deriva de leituras liceais dos anos 60 e 70: a si próprios, gostam de se imaginar a partir dos Maias de Eça de Queiroz, sofisticados e espirituosos; ao “povo”, imaginam-no a partir dos Gaibéus de Alves Redol: uma massa terceiro-mundista e dependente, que cabe à oligarquia dirigir e alimentar. Com cuidado: é que quando falta comida e sossego, o povo morde — porque “as pessoas não percebem”. Daí que a “austeridade” só pudesse ser uma receita de derrota. E daí também que fosse possível conceber o regresso ao poder, como fez Costa, pelo expediente de repetir que a culpa das dificuldades é só dos mauzões “neo-liberais”. Costa devia neste momento circular de andor nas ruas do país. Alguma coisa aconteceu: é agora a oligarquia que “não percebe”.
A segunda razão está implícita na primeira: a oligarquia política é dona do país, e a democracia é o regime através do qual o povo é convidado a reconhecer esse senhorio. Ora, é difícil imaginar oligarca mais fácil de identificar do que António Costa. Costa cresceu ao colo do regime. Não houve dirigente do PS nos últimos trinta anos que não o tivesse posto num qualquer altar. Costa dá-se com toda a gente, da direita à esquerda. Chama-se a isso, em linguagem oligárquica, ser “consensual”. Passos não é assim. Andou na JSD, mas veio da província. Tirando Marques Mendes, nenhum líder do PSD lhe deu a mão e houve mesmo quem o tivesse perseguido. Não consta que fale com muita gente. Para a oligarquia, é um intruso, um “desconhecido”, como insinuou Costa. A frieza com que se permitiu tratar Ricardo Salgado, o banqueiro do regime, é a prova. No momento em que Costa apareceu, o país, como o cão de Ulisses, tinha obrigação de reagir. Que se passa? Os portugueses já não veem televisão?
No país da oligarquia, Ricardo Salgado ainda deveria ter um banco (com o dinheiro dos contribuintes), um ex-primeiro ministro nunca poderia ter sido preso, e um membro honorário da Quadratura do Círculo teria de estar à frente nas sondagens. A oligarquia está confusa. Querem ver que, afinal, a “austeridade” não foi tão má como os próprios oligarcas andaram a dizer? Terá sido a Grécia? O fantasma de Sócrates? As fatalidades do euro? Ou a culpa é toda do Costa, esse eterno hesitante? Tudo passa pela cabeça aos nossos oligarcas. Menos uma coisa: a hipótese de o povo os ter percebido, a começar pelo fracasso e fuga de 2011.
No seu desespero, os oligarcas de esquerda e de direita que cercam António Costa já admitem tudo, por exemplo, um resultado que lhes permitisse, mesmo perdendo, governar com o apoio do PCP e do BE. Pouco lhes importa a crise político-constitucional. Para a oligarquia, o regime vale menos do que o seu poder e a sua influência.