Vou começar com factos, e citando o Expresso (jornal que ninguém pode acusar de ser contra o actual governo ou mesmo contra o PS):
– A CGD “emprestou em 2006 quase 300 milhões de Euros para Vale de Lobo. Além de dar crédito, a CGD tornou-se acionista.”
– A CGD concedeu igualmente um crédito de 476 milhões de Euros a uma empresa espanhola, a Artlant, para construir uma fábrica em Sines. Tal como com Vale de Lobo, a CGD tornou-se acionista.
– Emprestou cerca de 800 milhões de Euros ao grupo Espírito Santo, ao grupo Lena e ao empresário angolano António Mosquito, os quais nunca serão recuperados.
– Emprestou ainda cerca de 360 milhões de Euros a Joe Berardo para comprar ações do BCP. Outro crédito que jamais será recuperado.
Ou seja, à volta de 2 mil milhões de Euros perdidos. Quem vai pagar estas perdas? Nós. Todos os portugueses. O governo acabou de nos informar que vamos ter que injectar 4 mil milhões de Euros na Caixa. Para onde foram os 2 mil milhões? Quem ganhou dinheiro com estes “empréstimos”? O governo não quer que os portugueses saibam nada sobre o que se passou. Parece que, para o governo, os portugueses servem para votar e para pagar. De resto, devem ficar calados e aceitar tudo na santa ignorância.
Por mais que o governo queira, o passado não o larga, nem nos larga a nós. Quando todos queremos olhar para o futuro, a Caixa leva-nos de volta à “arqueologia socrática”. Foi entre 2005 e 2010, com Sócrates em São Bento, que a Caixa mais perdeu dinheiro. O modo como o governo de então tratou o banco do Estado mostra muito bem o sentido de impunidade dos anos de Sócrates. O engenheiro colocou no banco um amigo e camarada, Armando Vara, sem qualquer qualificação que o recomendasse para o cargo. Essa administração emprestou dinheiro a Berardo para comprar ações do BCP. Depois, como acionista de referência do BCP, Berardo votou a favor daqueles que lhe concederam créditos para integrarem a nova administração do BCP. Eis, o nosso capitalismo socialista no seu melhor. Ainda falam eles do “capitalismo selvagem”. Sabem muito bem do que falam.
Este é o grande problema para Costa: a discussão das causas que levaram à necessidade de os portugueses pagarem 4 mil milhões de euros para salvar a Caixa faz-nos regressar ao mundo socialista que provocou um resgate e quatro anos de austeridade. O “resgate” dos portugueses à Caixa faz recordar “2011”. Por isso, a Caixa será o maior problema politico para o governo. E António Costa já o percebeu. O PM, porém, continua a dizer que a Caixa é um banco de referência para a estabilidade financeira nacional. Um banco de referência torna-se acionista de um projecto turístico algarvio? Torna-se sócio de uma empresa espanhola privada num projecto petroquímico? Empresta dinheiro a um empresário para comprar ações no BCP? Coloca na administração do banco um militante do PS, sem o mínimo de qualificações? Isto é gozar com os portugueses.
Mais uma vez, a teimosia de Passos Coelho está a assustar a oligarquia nacional. Já começaram as pressões para o PSD desistir da comissão de inquérito parlamentar. Até já se fala em potenciais sucessores na liderança dos sociais-democratas. A antipatia de muitas elites políticas em relação ao anterior PM não tem nada a ver com questões ideológicas ou doutrinais. As nossas elites são demasiado cínicas para levar ideias políticas a sério. Foi o modo como lidou com o BES que fez de Passos um problema para a oligarquia. E agora está a comportar-se do mesmo modo em relação à Caixa. A verdade assusta muita gente. E quem não se incomoda com a verdade torna-se uma ameaça.
O Presidente da República está perante o momento mais importante desde que chegou a Belém. Vai ajudar a silenciar o que os anos Sócrates fizeram à Caixa? Ou vai tratar os portugueses como cidadãos adultos com o direito de saberem a verdade? Sobretudo quando lhes pediram para pagar 4 mil milhões de euros sem nada terem feito para isso. Tal como outros povos, um dia os portugueses também se vão zangar. Para quem julga que a paciência dos lusitanos é inesgotável, estude com atenção o que se está a passar no Brasil com o Lava Jato. No outro lado do Atlântico, muitos dos que se julgavam impunes estão hoje na prisão ou sob investigação.