O primeiro-ministro queixou-se dos jornalistas e dos comentadores, o que, como seria de esperar, teve o efeito de assanhar uns e outros. Mas Passos Coelho tem razão: poucos governos, em tempos recentes, enfrentaram um coro mediático tão hostil. E também tem razão quando fala de “preguiça” e dessa forma refinada de preguiça que é o instinto de rebanho. A questão é perceber porque é que essa preguiça tomou, nos últimos três anos, a forma de hostilidade ao governo.

Apareceram duas explicações. A primeira é esta: a imprensa ter-se-ia “limitado” a reflectir o ressentimento contra um governo que teve de executar o memorando da troika. Pode ser que sim. Mas porque é que jornalistas e comentadores se “limitaram” a isso? A segunda explicação é que o conformismo em Portugal, em termos jornalísticos e de opinião publicada, é de esquerda. Talvez seja. Mas António José Seguro saiu em cruzada contra a direita, e nem por isso deixou de ter uma imprensa tão má como a de Passos.

Assim, valerá a pena considerar outra razão, que tem a ver simplesmente com o poder. O facto é que ninguém acreditou na possibilidade do ajustamento, e portanto na permanência do governo. Logo que foi conhecido o memorando, em 2011, a sabedoria nacional declarou-o impraticável. Nos dois anos seguintes, no meio da “crise do Euro”, toda a gente esteve preparada para uma sucessão grega de resgates e de governos.  A cada acórdão do Tribunal Constitucional, falou-se de “eleições antecipadas”. Mais: em Julho de 2013, viu-se que o governo também não acreditava no sucesso do ajustamento: de outra maneira, não fazem sentido as demissões dos dois ministros de Estado. Quanto à fé nas “reformas”, basta pensar nas peripécias do seu “guião”.

É isto que verdadeiramente explica a atitude de jornalistas e comentadores. O jornalismo e a opinião, no seu todo, exaltam o que tem sucesso, aderem ao que veio para ficar, deixam-se convencer por quem parece convencido. Seguem o poder, mais do que simpatias ou ideologias. É uma questão de sobrevivência: causas perdidas nunca venderam um jornal, previsões erradas nunca fizeram avançar uma carreira. Ora, desde 2011 que a actual “situação” jamais deu provas de que ia durar. Nestas circunstâncias, quem quis ser o único jornalista a não antecipar o fim, ou o último comentador em sintonia com um projecto condenado? (O mesmo vale para o caso de Seguro: durante três anos, toda a imprensa esperou a sua substituição por Costa, o qual, por isso mesmo, teve “boa imprensa”.)

Ainda mais: se o governo nunca acreditou muito no caminho da troika, também nunca lhe viu alternativa. Este foi um governo fatalista, mais do que “ideológico”. Por isso, a sua tendência não foi para se aproximar, seduzir, ou persuadir, mas para se isolar, dobrado sobre as suas próprias dúvidas e hesitações. Nunca tentou controlar a “agenda”, como fez Sócrates. Aos primeiros contratempos, desistiu de falar em público, para além das intervenções requeridas pelo protocolo democrático. Só agora, ocorreu à maioria parlamentar a conveniência de ministros “explicarem” o que fazem.

Mas se o governo esteve sozinho, a oposição não esteve mais acompanhada. Pouca gente confiou nas suas fabulosas “alternativas”, a começar pelo mitológico “berro à Merkel”. As “pequeninas vitórias” do PS e do PCP, o colapso do BE ou o fiasco final das manifestações, reduzidas aos autocarros da CGTP, provam que as frustrações do governo não fizeram as alegrias da oposição. É pouco provável que eventuais sucessores de Passos venham a ter menos razões de queixa de jornalistas e comentadores.

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