O ministro alemão das Finanças pronunciou em público a palavra proibida. “Resgate”. Só pode ser uma surpresa para quem está pouco atento ou quer acreditar em impossíveis. A probabilidade de Portugal ter de pedir um novo apoio financeiro vai subindo a cada dia que passa. Schäuble poderia até ter acrescentado mais argumentos para mostrar os riscos que Portugal enfrenta.
Comecemos pelo que disse o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble, com todos os esclarecimentos e correcções subsequentes: “Portugal estaria a cometer um erro enorme, se não cumprirem com os compromissos que assumiram. Portugal teria então de pedir um novo resgate. Os portugueses não querem um novo programa e eles também não precisam se cumprirem com as regras europeias”.
Os compromissos de que fala Schäuble dizem respeito à redução do défice orçamental, que vai estar de novo em avaliação pelos comissários dentro de dias. Nesse encontro a Comissão decidirá se haverá ou não sanções por violação do limite de 3% do PIB que Portugal, fora do programa da troika, teria de cumprir em 2015. E não cumpriu.
As considerações sobre a injustiça de tais sanções, num país sacrificado pelo programa da troika, ou as criticas a decisões que se apoiam numa derrapagem de décimas, fariam todo o sentido se não existisse um contexto de elevado endividamento e um discurso e decisões políticas do Governo que reabriram a porta da desconfiança. O que está em causa não são as décimas de derrapagem do défice orçamental. O problema está na confiança que se quebrou quanto ao esforço que Portugal vai fazer para reduzir o défice público e assim conseguir pagar o que deve.
O que disse o ministro alemão das Finanças faz todo o sentido. Apenas deveria ter retirado da sua frase a palavra “compromissos”. Com ou sem compromissos, se Portugal não reduzir o défice público vai transmitir uma mensagem de desconfiança (ou já transmitiu) aos financiadores e precisará de ser de novo financiado pelas instituições europeias e pelo FMI – se é que o Fundo ainda quer envolver-se. Um país que tem uma dívida pública de 129% do PIB e deverá crescer em torno de 1,5%, na melhor das hipóteses, está sempre em risco de perder o acesso aos mercados para se financiar.
Wolfgang Schäuble teria até matéria para, se quisesse, fundamentar mais os riscos que Portugal corre de ter de solicitar um segundo resgate. Imagine-se o que teria acontecido se o ministro alemão das Finanças, em vez de dizer o que disse, se tivesse limitado a citar algumas das declarações públicas de governantes ou do governador do Banco de Portugal sobre o que é preciso fazer na banca portuguesa.
Nos últimos tempos, temos assistido a conversas infindáveis sobre as necessidades de capitalização da banca portuguesa, como se fosse um exercício intelectual que se pudesse fazer na praça pública sem consequências. Temos ouvido de tudo. Desde os quatro a cinco mil milhões de euros que a CGD precisa – o caso Caixa mereceu até uma conferência de imprensa do ministro das Finanças -, até aos dez mil milhões de euros, que se estima serem necessários, para um “banco mau” limpar 30 mil milhões da banca. Sem que nada aconteça e na provável convicção de que mais ninguém, fora do País, está a ouvir.
A dimensão da dívida pública portuguesa e o medíocre crescimento da economia conduzem inevitavelmente à seguinte questão: onde é que vamos buscar o dinheiro para financiar essas necessidades da banca? É preciso convencer os investidores que conseguiremos pagar, ou não nos emprestam.
Só o valor apontado para a CGD, os cinco mil milhões de euros, correspondem a cerca de 2,7% do PIB. E o problema não é de contabilidade – se conta ou não conta para o défice público. O problema é o de convencer os investidores que conseguimos somar isso à nossa dívida já bastante elevada e continuar a pagar o que devemos.
A dimensão da dívida pública foi já em 2011 a razão pela qual o programa da troika optou por fechar os olhos ao problema da banca, escolhendo o modelo de ir corrigindo com o crédito malparado com o tempo. Esse problema não desapareceu. Pelo contrário. Pode até ter-se agravado, uma vez que o crescimento da economia não chegou com a força que se esperava e que era prometido pelo perfil das recuperações do passado.
A situação agravou-se também pelas mensagens políticas e pelas decisões que, embora possam ter uma dimensão limitada, delapidaram um capital de confiança que fomos acumulando. E não foi a resolução do BES e do Banif e a passagem das cinco obrigações seniores do Novo Banco para o BES que mais afectaram a nossa reputação. A banca é ainda um problema em todos os países europeus e os investidores financeiros sabem bem isso.
Os efeitos mais graves da quebra de confiança têm como epicentro o Governo, por via de decisões que geraram medo em quem investe em empresas, investimentos que não se recuperaram num dia, como nos mercados financeiros. Decisões como suspender a reforma do IRC, anular os concursos das concessões dos transportes, acelerar a reposição dos salários da função pública e reduzir o IVA na restauração podem até ter efeitos orçamentas mínimo – que não têm -, mas têm um enorme impacto na confiança para investimentos que só se recuperam a longo prazo.
Paralelamente a essa fúria de desfazer o que tinha sido feito, assistimos logo no início deste Governo a uma atitude de arrogância em relação aos parceiros europeus que, obviamente, está hoje a ser paga também com desconfiança.
No quadro actual, de falta de confiança e de dinheiro, de menor esforço na redução do défice orçamental, parece no mínimo improvável que se consiga aplicar um modelo de capitalização da banca sem pedir ajuda financeira. Chame-se ela o que se chamar: resgate ou empréstimo ao Mecanismo Europeu de Estabilidade.
Ninguém pode, por isso, ficar surpreendido com as palavras do ministro alemão das Finanças. A única surpresa que podemos ter é de as suas declarações não terem sido ainda mais graves.
Claro que se Portugal não cumprir as regras, leia-se, não reduzir o défice orçamental, não terá margem para resolver os outros problemas financeiros que tem. Se já era difícil enfrentar o problema da banca reduzindo o défice de acordo com os compromissos assumidos, mais difícil se torna quando gastamos o dinheiro onde podíamos poupar.
Depois de tudo o que se fez e disse até agora, o ministro alemão das Finanças poderia ate ter sido bastante mais acutilante nas suas palavras. Estamos apenas a receber as tempestades dos ventos que semeámos. A que se somam as tempestades da conjuntura internacional e do Brexit. O que não podemos nem devemos é deixar de assumir a responsabilidade dos erros que cometemos.