“O ajustamento das contas públicas está longe de estar concluído”, afirma o Banco de Portugal num texto sobre o tema, publicado esta quarta-feira no boletim económico de junho de 2014. A instituição fez cálculos sobre a dimensão do ajustamento que terá de ser realizado até 2019 e concluiu que as medidas de consolidação orçamental terão de atingir 4% do produto interno bruto (PIB), o que corresponde a um valor de cortes na despesa e aumentos nas receitas das administrações públicas de 6,7 mil milhões de euros, quando se compara aquela percentagem com o valor do PIB previsto para este ano.
No documento, o Banco de Portugal explica que o exercício que lhe permitiu chegar àquele valor consistiu em “estimar a trajetória das contas públicas numa situação hipotética em que não seriam adotadas quaisquer medidas orçamentais”. E adianta que “a comparação deste cenário de políticas invariantes com o que resultaria do cumprimento dos compromissos europeus assumidos por Portugal em matéria orçamental” possibilitou obter “uma estimativa do esforço de ajustamento a realizar ao longo dos próximos anos”.
A instituição liderada por Carlos Costa alerta que, “não obstante o significativo esforço de consolidação orçamental” realizado nos últimos três anos, “o rácio da dívida pública atingiu, em 2013, um valor próximo de 130% do PIB” e a “redução sustentada” deste indicador “exige a acumulação de excedentes primários ao longo de vários anos”.
A esta necessidade, o Banco de Portugal soma “as pressões que irão afetar as contas públicas no futuro próximo, em particular por via do aumento da despesa em juros e da eliminação de medidas com carácter transitório”, que qualifica como “muito significativas”. Entre estas medidas inclui-se a reversão dos cortes salariais na função pública e a eliminação da contribuição extraordinária de solidariedade (CES).
“O reconhecimento por parte dos agentes políticos e sociais” das restrições que pendem sobre o setor público “é fundamental para que o debate sobre opções de política se situe no terreno do realizável e seja, por isso, um debate consequente”, avisa o Banco de Portugal.
As contas da instituição antecipam, por exemplo, que, com uma taxa de crescimento da economia de 1%, próxima daquela que o Banco de Portugal prevê para este ano, será necessário que Portugal apresente um saldo orçamental positivo de 2,2% do PIB para conseguir cumprir o compromisso assumido perante os parceiros europeus de reduzir a relação entre dívida pública e o produto em um vigésimo por ano, na parte em que a dívida exceda o valor de referência de 60% do PIB.
O trabalho publicado pelo banco central deixa um aviso aos partidos políticos e aos parceiros sociais. “Os níveis de despesa pública e de tributação, bem como a composição da despesa e da receita, são escolhas políticas”, escreve-se no documento. “Estas escolhas não podem, contudo, deixar de ser compatíveis com a restrição financeira intertemporal com que o setor público se defronta”, acrescenta o Banco de Portugal, antes de concluir: “O reconhecimento por parte dos agentes políticos e sociais dessa mesma restrição é fundamental para que o debate sobre opções de política se situe no terreno do realizável e seja, por isso, um debate consequente”.
O alerta da instituição ganha peso quando se observam as conclusões sobre a sustentabilidade da dívida pública a longo prazo. Num cenário em que se admitem “políticas invariantes” e os impactos do envelhecimento da população, a dívida pública pode continuar a aumentar atingindo 233% do PIB em 2060. No caso de Portugal cumprir as regras europeias com que se comprometeu, o valor de referência de uma dívida pública equivalente a 60% do produto seria atingido em 2043.