Quando se diz ou escreve que algo foi pensado ao pormenor, muitas vezes isso não passa de um recurso estilístico sem grande ligação à verdade. Mas no caso da novíssima marisqueira – abriu há duas semanas – dos mesmos responsáveis do Ibo, o restaurante luso-moçambicano do Cais do Sodré, a expressão pode utilizar-se sem quaisquer remorsos. É que até o pão torrado, elemento essencial para acompanhar uma mariscada que se pretenda decente, é fatiado de maneira própria. Mais: não é pão de mistura por acaso, mas sim por ser o melhor para a ocasião.
Agradeça-se a atenção ao detalhe a João Pedro Pedrosa, um dos sócios do Ibo e desta casa-irmã, quase siamesa, já que as paredes das cozinhas estão separadas por apenas metro e meio de rua. “Surgiu esta oportunidade e, já que decidimos avançar, quisemos dar primazia à qualidade do produto”, afirma, para justificar, entre outras coisas, porque é que a marisqueira tem viveiros próprios, com água do mar, cheios de lavagantes (dos azuis, ou seja, dos bons), santolas, sapateiras e ostras, entre outros habitantes de ocasião. “Sugiro sempre aos clientes que venham ver os viveiros, para saberem o que estão a comer e a pagar”, diz João Pedro, que até já tem uma ideia para fazer poupar a viagem aos mais ociosos: instalar câmaras nos aquários para que os clientes possam escolher a vítima que se segue através de monitores.
Antes de o fazer, contudo, esses mesmos clientes poderão provar algumas das entradas da casa. As puntillitas (lulinhas) fritas ao momento, para encharcar em limão e mergulhar na maionese, são uma escolha óbvia. Mas também há presunto Castro y González, uma marca espanhola de família que cria os próprios porcos (ibéricos, claro) na Andaluzia, mas segue o processo de cura tradicional de Guijuelo, perto de Salamanca. Para dar formação na matéria à equipa da Ibo Marisqueira veio o campeão espanhol e mundial de corte de presunto. Leu bem, há um título mundial para o melhor cortador de presuntos, e não é por acaso. “É preciso saber como cortar, o que cortar, como equilibrar a carne e a gordura, como aproveitar a perna…isto é uma arte”, explica João Pedro.
Das entradas para o marisco propriamente dito – e enquanto se faz a transição a equipa de sala vai renovando os copos de imperial sem perguntar, como nas marisqueiras clássicas – a escolha é vasta e nacional, à exceção, claro, do famoso camarão tigre moçambicano, um dos pontos de ligação à casa-mãe, que se estendem a “apontamentos aqui e ali”, como lhes chama João Pedro. Há picantes com as malaguetas da terra, por exemplo, e não falta também Laurentina, a famosa cerveja criada ainda na era colonial.
Entre bivalves da ria Formosa – amêijoas, ostras ou lingueirão –, sapateira, lagosta, santola ou lavagante azul da costa Oeste, entre a Ericeira e a Lourinhã, camarão de espinho ou algarvio, percebes das Berlengas e de Vila do Bispo ou até, caso o mar esteja de feição, umas bruxas de Cascais, a escolha da contenda é coisa para provocar aquilo que em termos futebolísticos se designa por “boas dores de cabeça”. E isto sem sequer mencionar a opção arroz e cataplana de marisco. Se calhar fica-se por aqui, não? Nem pensar.
É que se é para acontecer marisco, tem de acontecer prego (ou pica-pau) no final, como dizem todas os manuais de regras sobre o assunto, que nunca foram mas que também não precisam de ser escritos. E o prego é tanto mais obrigatório quando se trata, como neste caso, de boa carne do lombo, acompanhado de batatas fritas caseiras e uma particularidade: um molho de bife à parte, pensado para quem não gosta de mostarda. Lá está, pormenores.
Nome: Ibo Marisqueira
Morada: Rua da Cintura do Porto de Lisboa, Armazém A (Cais do Sodré)
Telefone: 21 342 3611 / 96 133 2024
Horário: De terça a sábado, das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 23h00. Domingos das 12h30 às 15h30. A partir de Março abrem em horário contínuo, de terça a domingo, das 12h00 à 00h00
Reservas: Aceitam
Preço médio: 30€ por pessoa