Motores a roncar, champagne a voar e uma senhora chamada Eva a queimar pneus e a desaparecer no horizonte. É isto, entre muitas outras coisas, que significa o regresso da Fórmula 1. Nem tudo é cool e glamour, no entanto, pois as nuvens carregadas de problemas financeiros continuam a pairar sobre o Campeonato Mundial de F1.
Comecemos por Eva. Já a conhecem? Usa um vestido vermelho impecável, o calçado (sem salto alto) é largo para garantir que o chão nunca lhe foge aos pés, enquanto a cauda, aquelas coisas que se veem nos vestidos chiques, oferece equilíbrio e até muda de posição, qual princesa a acenar (DRS). Bom, chega desta descrição bonito-com-suspiros-por-causa-das-mulheres ao jeito de Chico Buarque. Sebastian Vettel, o novo piloto da Ferrari, gosta de dar nomes de senhoras aos seus carros. Eva é a sua nova menina.
Se os números e as evidências da perda de competitividade dos Ferrari não fossem já gritantes, a evolução dos nomes escolhidos pelo alemão ajudam-no a perceber também. Na Red Bull, onde ganhou quatro Mundiais, escolheu Julie, Kate, a irmã perversa de Kate, a apetitosa Liz e a Kylie sem vergonha. Ou seja, muitas vezes soam a “alguém” irreverente, arisca, com personalidade ou desvios no comportamento. Segue-se Eva, uma escolha que remete para o início de tudo. Depois de um ano em que apenas foi três vezes ao pódio (Malásia, Canadá, Japão), Vettel espera agora uma nova era, um novo começo. Uma nova vida.
Entusiasmado com sua estreia na Ferrari, Vettel batiza seu SF15-T de ‘Eva’: http://t.co/LpLeRqrJ9O pic.twitter.com/xB8vubdhoa
— Portal Race (@PortalRace) March 11, 2015
O primeiro Grande Prémio está agendado para o próximo domingo, em Melbourne, na Austrália, que já está nestas andanças desde 1996. A pista tem 5.3 km e serão dadas 58 voltas, o que se traduz em qualquer coisa como 307 km. A volta mais rápida desta corrida remonta a 2004 e pertence a Michael Schumacher (1:24.125). Para aqueles que esperam um Mundial de F1 mais competitivo, os primeiros testes não auguram nada de bom. Os pilotos da Mercedes, o campeão do mundo Hamilton e Rosberg, cavaram mais de um segundo para os demais pilotos nos treinos — Vettel, por exemplo, ficou a quase 1.5 segundo de Rosberg (distância que encurtaria no segundo treino livre). A Mercedes só não ganhou três GP na época passada: Ricciardo (Red Bull) esboçou o famosíssimo sorriso no Canadá, Hungria e Bélgica.
Se a reedição do duelo entre Hamilton e Rosberg promete faísca, se há o maior interesse em ver como encaixam Vettel e Kimi Räikkönen na Ferrari, a Toro Rosso, a segunda equipa da Red Bull, oferece outro salero ao Mundial deste ano. Os dois pilotos escolhidos para substituir Jean-Éric Vergne (novo piloto de testes da Ferrari) e Daniil Kvyat (saltou para a Red Bull) na Toro Rosso são igualmente dignos de seguir. Os apelidos não deixam ninguém sem franzir a sobrancelha: um é Carlos Sainz Jr., filho do famoso piloto de WRC, que venceu dois ralis de Portugal em 1991 e 1995; o outro é filho de um ex-piloto de F1 e tem apenas 17 anos. Verstappen, lembra-se? Max sucede a Jos, que disputou 107 corridas entre 1994 e 2003.
UMA CASA ASSOMBRADA
Nem tudo é cor-de-rosa na Fórmula 1. O caso de Fernando Alonso, que deixou a Ferrari para se juntar à McLaren, é um bom exemplo. O espanhol despistou-se na curva 4 do Circuito da Catalunha dia 22 de fevereiro, mas as razões do acidente continuam no segredo dos deuses. Há dúvidas sobre se Alonso desmaiou antes ou depois do embate. Certo é que esteve inconsciente e a memória até lhe roubou 20 anos de vida: acordou em 1995 e disse que era piloto de karts e que queria chegar à Fórmula 1. Agora estará ausente no GP da Austrália.
Na Sauber, uma das equipas que luta para sobreviver neste circo, sobram pilotos. O imbróglio é fácil de explicar: Marcus Ericsson e o brasileiro Felipe Nasr foram contratados para conduzir o monolugar com motor Ferrari C34 em 2015, mas Giedo Van der Garde, um piloto de testes que acabou por atuar em sete corridas de 2014, ganhou a batalha judicial, na qual alegava ter-lhe sido prometido um lugar na Sauber para a época 2015. E ganhou. A scuderia defendeu-se afirmando que colocar um piloto que nunca conduziu o carro nem fez testes colocará problemas de segurança. O melhor é ler o artigo que o Observador escreveu sobre o tema. No primeiro dia de testes na Austrália o holandês até apareceu na pista, mas ficou a ver os outros (ver aqui).
Se estes casos pontuais são preocupantes, os problemas financeiros prometem ser uma valente dor de cabeça. A Caterham e a Marussia, por exemplo, desapareceram. Já as frágeis Sauber, Force India e Lotus continuam a bater-se para aguentar na F1. Sim, já se trata de resistir e pagar contas, e não tanto montar espetaculares carros competitivos. Garantir novos patrocinadores e suportar o crescimento colossal em 18 milhões de euros do orçamento das equipas, que resultou da nova aposta em motores híbridos, é um desafio espinhoso. E isto assusta aqueles que pensam o desporto e vivem dele, ou que simplesmente o amam.
Bernie Ecclestone, o homem forte da F1, pondera ajudar estas três equipas em dificuldades, embora existam suspeitas de que se prepara para revolucionar o desporto: menos equipas e um terceiro carro estará em cima da mesa. Essa ideia já tinha sido falada em setembro. “Penso que o deveríamos fazer de qualquer forma. Eu preferia ver a Ferrari com três carros, ou outra equipa de topo com três carros, do que ter equipas a lutar para resistir”, admitiu Ecclestone.
Jenson Button, campeão do mundo em 2009, mostrou algumas reservas na altura: “Sempre tivemos equipas mais pequenas. É bom tê-los, há muitas personalidades. Óbvio que seria bom se eles não tivessem problemas em resistir [na F1] e que pudessem ser mais competitivos. Mas sempre foi assim na Fórmula 1.”
Se falarmos de receitas televisivas, o futebol e o basquetebol roubam cada vez mais o protagonismo à F1. Segundo o Financial Times (FT), a Premier League vendeu os direitos de transmissão dos jogos por qualquer coisa como sete mil milhões de euros por três anos (apenas no Reino Unido), enquanto o acordo da NBA é mais alargado: quase 23 mil milhões de euros durante nove anos. A F1 recebe menos de dois mil milhões por ano, o que não é assim tão pouco. Mas o FT aponta que as vendas de bilhetes, o interesse das pessoas e o número de participantes estão a descer.
O GP da Alemanha, por exemplo, até corre riscos de não acontecer. Para compensar garantiu-se mais uma corrida no Médio Oriente: Qatar junta-se a Abu Dhabi e Bahrain.
Voltando à Fórmula 1, aquela dos motores furiosos a roncar, dos pneus a deixar a pele espalhada pelo asfalto, o FT aventura-se na previsão do futuro: o jornal britânico rejeita a ideia de a Ferrari ser candidata ao título. Por outro lado, a Mercedes, que só não venceu três corridas no ano passado, estará ainda melhor e com o carro mais afinado. Restam então Red Bull e McLaren para lhes fazerem frente. Os segundos começam com uma contrariedade dura: a ausência de Fernando Alonso. Quanto ao safety car, será esta beleza:
… and here's this year's #AusGP safety car, taking it easy in the Albert Park shade #AusGP #F1DownUnder pic.twitter.com/vHw6PRptqs
— Formula 1 (@F1) March 13, 2015
TOP-10 no Mundial de F1 de 2014:
1. Lewis Hamilton – 384 pontos
2. Nico Rosberg – 317
3. Daniel Ricciardo – 238
4. Valtteri Bottas – 186
5. Sebastian Vettel – 167
6. Fernando Alonso – 161
7. Felipe Massa – 134
8. Jenson Button – 126
9. Nick Hülkerberg – 96
10. Sergio Pérez – 59