O futuro dono do Novo Banco compra uma instituição que tem direito a um crédito fiscal futuro avaliado em 2.865 milhões de euros. Este montante, transferido do BES para o Novo Banco por ordem do Banco de Portugal, permite reforçar os rácios de capital da instituição que está à venda. No entanto, a utilização deste crédito abre a porta à entrada do Estado no capital da instituição.

O tema já tinha sido levantado na comissão parlamentar de inquérito ao Banco Espírito Santo, mas com notícias que apontam para a existência de ofertas baixas, na casa dos dois mil milhões de euros, para o Novo Banco, a questão foi colocada pela deputada do Bloco de Esquerda à ministra das Finanças na interpelação ao governo esta quinta-feira.

“Podemos chegar a este absurdo. Há uma empresa ou banco que vai dar dois mil milhões de euros para um banco que tem lá dentro um crédito sobre o Estado que vale 2.865 milhões de euros”. De acordo com o Expresso Diário, o Santander terá oferecido menos de dois mil milhões de euros pelo Novo Banco, número que foi entretanto desmentido pelo banco espanhol. O BPI terá sido afastado da corrida por ter feito uma oferta demasiado baixa, mas cujo valor não é conhecido.

Perante estes números, Mariana Mortágua realça: “como é que um país que não tem dinheiro para devolver salários e pensões pode comprometer-se a dar uma borla fiscal no futuro de 2.865 milhões de euros ao comprador do Novo Banco?”

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Valor do Novo Banco. Investidores serão burros?

A ministra das Finanças contraria este “raciocínio” da deputada do Bloco. “Os investidores por esse mundo fora devem ser extraordinariamente burros porque só oferecem 2.000 milhões de euros por uma coisa que tem 2.800 milhões de euros lá dentro”.

Maria Luís Albuquerque recusa a tese de que o governo deu 2.800 milhões de euros em créditos fiscais ao Novo Banco, assegurando que ainda não foram concedidos quaisquer créditos fiscais à banca.

“O que está reconhecida é a possibilidade de transformar em créditos fiscais esse valor se o banco tiver prejuízos nos próximos anos que permitam a conversão em créditos fiscais”. A governante lembra que não é o valor total que pode ser deduzido e que a conversão é feita dentro de limites temporais. Sublinha ainda que, se isso for feito dá ao Estado o direito de converter em ações, o equivalente a 110% do crédito reconhecido, diluindo a posição dos restantes acionistas. Este pressuposto aplica-se, também, a outros bancos que recorram ao mecanismo.

Na prática, o Estado pode entrar no capital do banco ou vender estes direitos em mercado, penalizando o valor das participações dos acionistas privados, uma possibilidade que o governo espera que atue como elemento de dissuasão para a utilização destes créditos fiscais. É esse o valor dos DTA (sigla inglesa para impostos ativos diferidos) que o mercado sabe “e ninguém acha que seja uma coisa fantástica”, conclui a governante.

Maria Luís Albuquerque lembra que o regime dos DTA não é um exclusivo da banca, mas reconhece que beneficia em particular o setor financeiro porque permite converter em crédito fiscal imparidades de crédito e perdas em fundos de pensões.

Mais do que um bónus fiscal futuro, o que mais interessa ao setor bancário nesta altura é o reconhecimento destes ativos por impostos diferidos nos rácios de capital, dando um contributo precioso à solidez financeira dos bancos, na sequência de uma legislação aprovada no verão do ano passado. Este regime levantou dúvidas às autoridades da concorrência da Comissão Europeia que já questionaram Lisboa, bem como Espanha, Grécia e Itália, sobre a matéria que pode configurar uma ajuda de Estado.