António Sampaio da Nóvoa presidiu ao júri que chumbou a prova para professor agregado da Faculdade de Direito de Lisboa de José Luís Saldanha Sanches, em 2007. Esta parte do currículo do agora candidato presidencial foi relembrada esta quinta-feira no Diário de Notícias pelo assistente universitário João Taborda da Gama, que trabalhou com Saldanha Sanches, e está a tornar-se na primeira polémica em torno do novo candidato presidencial.

O júri era constituído por dois catedráticos de outras faculdades (Braga de Macedo e Diogo Leite Campos) e sete catedráticos da Faculdade de Direito: Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda, Menezes Cordeiro, Fausto de Quadros, Teixeira de Sousa (diretor da faculdade), Paulo Otero e Paz Ferreira. Em nove pessoas, só três deram nota positiva à tese sobre “Os limites do planeamento fiscal”. Segundo a revista Visão, os três votos favoráveis vieram de Jorge Miranda, Teixeira de Sousa e Paulo Otero, sendo que um décimo catedrático, Paulo Pitta e Cunha faltou à prova.

Marcelo Rebelo de Sousa, hoje também putativo candidato presidencial, nega que tenha votado contra. “Na altura, esclareci que a votação não tinha sido aquela. Isso não correspondeu à verdade”, disse ao Observador, recusando-se a acrescentar mais por “delicadeza em relação ao reitor e aos membros do júri”.

Na altura, o fiscalista Saldanha Sanches, que morreu em 2010, considerou ter-se tratado de “um ajuste de contas”. “Foi uma questão de afirmação de poder dentro da faculdade”, disse na altura ao Correio da Manhã. Segundo Saldanha Sanches, Diogo Leite Campos foi “era incapaz de discutir a tese” e o “júri passou ao lado” do trabalho porque “não tinha suficiente conhecimento”.

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“Sou uma presença incómoda para algumas pessoas e pretendo continuar a ser tão incómodo quanto possível”, afirmou ainda, reconhecendo que “houve pessoas com posições políticas diferentes das minhas que se portaram com grande verticalidade”.

Saldanha Sanches foi o último aluno a sujeitar-se a uma prova de agregação com sistema de votação secreta (bola branca e bola preta). Depois deste caso, as votações passaram a ser públicas por vontade de Sampaio da Nóvoa e Mariano Gago, ministro da Educação.

Para Taborda da Gama, filho do ex-ministro socialista e ex-presidente da Assembleia da República Jaime Gama, “a composição do júri não deixava dúvidas sobre o que se ia julgar, não era o seu currículo académico nem as suas obras, ambos irrepreensíveis – era a sua liberdade”. “Chumbaram-no. De forma vil. Nos júris académicos, como nos países, há um presidente, alguém cimeiro que normalmente não deve intervir, só apenas em casos-limite, para impedir a injustiça. Alguém que tem de ter coragem para repor a ordem justa das coisas, sempre que esta falte. Uma espinha dorsal e moral sobressalente, de reserva. O júri que reprovou José Luís Saldanha Sanches tinha António Sampaio da Nóvoa como presidente”, lembra.

Saldanha Sanches foi um destacado militante do PCTP-MRPP na década de 1970, tal como a sua mulher, Maria José Morgado, atualmente diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa. Em 2007, foi mandatário do candidato socialista à Câmara Municipal de Lisboa, António Costa.

Sampaio da Nóvoa nunca se pronunciou sobre este “chumbo” e esta quinta-feira não respondeu às tentativas do Observador para prestar esclarecimentos. Na altura, o porta-voz da reitoria da Universidade de Lisboa, António Sobral, explicou que Nóvoa “não fez parte do júri, esteve presente apenas na condição de representante da universidade”.

Augusto Santos Silva, ex-ministro socialista, lembra esta quinta-feira no Facebook que a votação secreta que então vigorava na Faculdade de Direito de Lisboa era “um regime inqualificável, que permitia ajustes de contas cobardes, vindo do Estado Novo e que resistiu nas universidades portuguesas, muitos anos após o 25 de abril”.

Segundo Santos Silva, Nóvoa presidiu a esse júri, porque era então o reitor da Universidade de Lisboa. “Não participou na votação, nem podia participar, por não ser da área do conhecimento em questão. Como presidente, dispunha de voto de qualidade, se esse voto fosse necessário. Mas o candidato foi reprovado por seis a três”.

“A reprovação de Saldanha Sanches foi uma enorme injustiça, assim sentida por grande parte do mundo académico. Mas foi cometida pela então elite dirigente da Faculdade de Direito de Lisboa, e não pelo reitor”, conclui.

* atualizado com declarações de Marcelo Rebelo de Sousa