A auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), pedida pela ministra Maria Luís Albuquerque, concluiu que a Lista Vip de contribuintes foi “uma medida não fundamentada, arbitrária e discriminatória”.

O documento, divulgado esta terça-feira, considera ainda que este mecanismo que foi criado na Autoridade Tributária era “manifestamente ineficiente e ineficaz para proteger o sigilo fiscal dos contribuintes, não reunindo, por isso, as condições para ser aprovada pelo substituto legal do diretor-geral da Autoridade Tributária”.

“A medida consta de uma página e meia sem fundamentação, de facto e de direito, dos motivos e dos critérios para o tratamento específico e privilegiado daquele grupo de contribuintes, sem descrição precisa dos procedimentos e tarefas a desenvolver e sem a clara identificação dos responsáveis pela respetiva implementação”, lê-se. Além do mais esta medida não é vista como “preventiva” nem como “dissuasora de acessos indevidos, já que para tanto teria de ser conhecida e alertar também o suposto ‘prevaricador’, o que não era o caso”.

A IGF censura o comportamento dos funcionários da AT envolvidos e recomenda “instauração de procedimentos disciplinares aos trabalhadores e dirigentes envolvidos na definição, aprovação e implementação da ‘alarmística’, atendendo a que os atos praticados são suscetíveis de integrar diferentes ilícitos, graus de culpa e de censura”.

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E aponta o dedo a José Morujão Oliveira, chefe da equipa multidisciplinar, Graciosa Delgado, coordenadora da área de sistemas de informação, José Maria Pires, ex-subdiretor-geral, e António Brigas Afonso, ex-diretor-geral.

A “Alarmística – acesso a dados pessoais” esteve a funcionar entre 29 de setembro de 2014 e 10 de março de 2015, lê-se na auditoria, o que significa que começou a ser feita antes do despacho que a autorizou (a 10 de outubro de 2014) e que se prolongou para além da data em que foi decidida a sua suspensão (23 de fevereiro de 2015). Aliás, um dia depois do seu cancelamento o chefe da equipa multidisciplinar de segurança informática da AT, José Morujão Oliveira, “efetuou alterações no sistema de alertas, de forma a restringir a pesquisa dos quatro números de identificação fiscal (NIF) sobre a generalidade dos índices existentes no sistema de monitorização”, lê-se no relatório da IGF.

Esses quatro NIF eram o do Presidente da República, o do primeiro-ministro, o do vice-primeiro-ministro e o do secretário de Estado dos assuntos fiscais.

A IGF recomenda ainda que seja criado “um código de conduta/ética” a ser subscrito pelos trabalhadores da AT. De acordo com a auditoria, havia vários funcionários que consultavam dados de contribuintes “por mera curiosidade”. E também uma aplicação que faça “o registo prévio em que se justifica o acesso a dados fiscais dos contribuintes, de forma a prevenir acessos indevidos e a permitir o controlo subsequente da respetiva legalidade”. Isto pode ser feito com uma nova política de segurança em que se torna obrigatório o preenchimento da contraordenação ou do processo de divergências correspondente.

Segundo a auditoria, a AT preocupava-se mais com acessos indevidos do exterior do que consultas indevidas por parte de funcionários e os sistemas informáticos existentes não estão certificados. Por isso, a IGF pede também que sejam implementadas “medidas de reação rápida” em caso de acesso indevido quer por funcionários do fisco quer por funcionários de empresas externas que colaboram com o fisco.

PSD e CDS garantem que Governo vai reforçar privacidade dos dados fiscais

O PSD e o CDS uniram-se para falar sobre o relatório da Inspeção-geral das Finanças sobre o caso da lista VIP. Tanto para sociais-democratas como para centristas, o relatório mostra que não houve envolvimento político na criação da lista, que resultou da decisão “isolada” de um dirigente.

Para o deputado do PSD, Hugo Soares, ficou assim atestado que “nenhum membro do Governo deu qualquer indicação para que fosse criada qualquer lista VIP”. No mesmo sentido foi a declaração da deputada do CDS, Vera Rodrigues, que garantiu que “não houve interferência política na chamada lista VIP”, e que a existência “temporária” desse mecanismo se deveu a um “ato isolado” que foi “pouco vigiado” por parte de dirigentes da Autoridade Tributária.

Além da limpeza das culpas ao Governo, os dois deputados quiseram salientar que as recomendações feitas quer pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) quer pela IGF vão ser tidas em conta. E para isso deram conta da existência de um despacho do secretário de Estado, Paulo Núncio, que dá indicações para serem adotadas pela Autoridade Tributária alguns procedimentos que dão mais garantias de privacidade de dados fiscais. “Os portugueses podem ficar descansados sobre o sigilo dos seus dados fiscais”, disse o deputado Hugo Soares.

A lista que o Governo negou

O caso da lista VIP foi revelado no mês de março quando o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) afirmou que existia uma bolsa de contribuintes VIP no Fisco, ou seja, que existia um sistema de controlo e alarme para que fossem identificados os funcionários do fisco que tentassem aceder à situação fiscal de alguns contribuintes.

Depois de vários dias em que não se confirmava a existência ou não da suposta linha VIP, a Comissão Nacional de Proteção de Dados confirmou a existência de um “universo sujeito a alerta ‘VIP’” na Autoridade Tributária composto por quatro pessoas: o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados divulgou um email da Área de Segurança Informática do fisco no qual aquele “universo sujeito a alerta ‘VIP’” era especificado, e concluiu que foi levado à prática, “durante cerca de quatro meses, um sistema de alarmística baseado numa lista de contribuintes”, tendo também apurado “a existência de um conjunto de acessos claramente excessivos e indiciadores de ilicitude”.

Na sequência do caso, o Governo ordenou uma auditoria à Inspeção-Geral das Finanças (IGF).

O caso levou à demissão do diretor-geral da Autoridade Tributária, Brigas Afonso, e, apesar dos vários pedidos de demissão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, este manteve-se em funções.

[Atualizado, pela última vez, às 23:30 com informação sobre a atuação de José Morujão Oliveira já depois da Lista Vip ter sido suspensa]