O futebol e um estilo de vida pacato são bons amigos, mas nem sempre são os melhores compinchas. O regime casa-treino-casa-comer-e-dormir é simples, mas, se fosse fácil, todos o cumpriam. Por isso é que de vez em quando aparecem os jogadores chicos-espertos, que gostam de ir beber um copo e espreitar a discoteca nos tempos livres. Andrea Pirlo não é um destes, nem nunca esteve perto de o ser. “Para mim sempre foi a mesma coisa. Nada mudou. Fico em casa, jogo, treino e volto para casa. É isto”, disse, há tempos, antes de ir ao Mundial do Brasil, quando o Financial Times lhe perguntou se, em 20 anos, muita coisa mudara na sua vida. Pelos vistos, nada. Mas isso era na altura.

Pirlo nunca saíra de Itália e por lá andara a emprestar a sua bota que tantos passes certeiros inventa a três clubes grandes: o Inter de Milão, o AC Milan e a Juventus. Houve uma altura em que até podia ter saído, quando Pep Guardiola o convidou para, em Barcelona, beberem um copo de vinho e o trocarem dois dedos de conversa. O médio gostou do que ouviu, só que o Milan não achou piada e o negócio não se fez. Andrea ficou por Itália e só agora, com 36 anos, é que vai experimentar o regime treino-casa-casa-treino para fora dali — o barbudo italiano vai passar a bola para Nova Iorque.

A mudança ainda não foi confirmada, mas os rumores não têm dito outra coisa. Andrea Pirlo deverá ir dar os últimos pontapés na bola para o New York City e para a Major League Soccer (MLS) dos EUA. Nem o próprio diz que é a mudança é certa, embora já tenha acenado com um adeus. “Obrigado a todos pelo apoio. Foi uma fase muito bonita e que me ajudou muito. [Agora] começa uma nova fase da minha carreira na qual espero encontrar momentos de grande alegria”, escreveu no Instagram, ao lado de uma fotografia em que aparece, em lágrimas, na final da Liga dos Campeões que perdeu, há semanas, contra o Barcelona.

Nem sim, nem não, mas Andrea Pirlo já foi visto em Nova Iorque, no sábado, dentro do estádio dos New York Yankees, a maior equipa de beisebol da cidade, ao lado do diretor desportivo do New York City. No clube, que faz parte de uma espécie de franchise dos donos do Manchester City, já moram Frank Lampard e David Villa, outros trintões (37 e 33 anos) que brilharam na Europa e foram piscar o olho à reforma para os EUA. E isto é algo que parece estar a ficar na moda.

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4 June 2000:  Andrea Pirlo of Italy scores during the European Under 21's Championship Final against Czech Republic at the Slovan Stadium, Bratislava, Slovakia. Italy won 2-1.  Mandatory Credit: Phil Cole /Allsport

Andrea Pirlo bem novinho, em 2000, num Europeu sub-21. Foto: Phil Cole /Allsport/ Getty Images

Em Nova Iorque também está Raúl, o espanhol que em 16 épocas de Real Madrid fez pouco mais do que Cristiano Ronaldo já conseguiu em seis — 323 golos contra os 313 que o português leva — e que joga no New York Cosmos, antiga equipa de Pelé. O irlandês Robbie Keane (ex-Tottenham), no LA Galaxy, que em breve terá a companhia de Steven Gerrard, a lenda que até aqui nunca jogara fora do Liverpool. Kaká, o brasileiro que foi craque no AC Milan e ganhou a Bola de Ouro em 2007, está no Orlando City. Depois é só rebobinar a cassete e ver que, nos últimos anos, também Thierry Henry, David Beckham ou Juninho Pernambucano andaram a jogar no país que chama soccer ao futebol.

E isto pode querer dizer que os jogadores estão a mudar de ideias quando as pernas já pesam e a reforma se aproxima. Até aqui, grande parte dos craques da bola que pretendiam assinar um contrato chorudo antes de arrumarem as chuteiras no armário iam para o Médio Oriente. Há éne exemplos, mais antigos do que recentes: se antes houve Gabriel Batistuta, Pep Guardiola ou Fabio Cannavaro fizeram-no e, agora, Xavi resolveu fazer o mesmo.

Hoje não são apenas os “velhotes” da bola que escolhem ir jogar para o país que pretende, pela via do dinheiro, atrair as estrelas do futebol para, desse modo, caçar as atenções dos adeptos norte-americanos que ainda preferem os desportos made in USA, como o basebol ou o futebol americano. Por isso é que já começam a aparecer nomes estrangeiros e conhecidos, como Sebastian Giovinco (28 anos, ex-Juventus, que está no Toronto FC) ou Obafemi Martins (30 anos, ex-Levante, no Seattle Sounders) a jogarem por lá. Até lá estão alguns portugueses, como Steven Vitória (Philadelphia Union), o central que jogou no Estoril Praia e no Benfica, ou Miguel Herlein (New York Cosmos), avançado que antes esteve a jogar na Índia. Dos 503 jogadores inscritos na MLS, 242 (ou 48,1%) não são norte-americanos, segundosegundo a Transfermarkt.

Para quem vê o futebol do lado de cá do Atlântico, espera-se que, ao menos, os craques continuem a aguardar que a idade se acumule para, se tiver mesmo que ser, irem jogar para os EUA. Ao menos, no caso de Andrea Pirlo, o italiano vai continuar a jogar futebol, e isso é bom.