O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou esta quinta-feira ao Governo que seja mais cauteloso no anúncio da reversão de medidas temporárias como a sobretaxa de IRS, antecipando, ao contrário do Executivo, que as receitas fiscais fiquem abaixo do esperado para o ano e que isso exija um maior ajustamento. A meta do défice, diz o Fundo mais uma vez, não deverá ser cumprida este ano.
‘Muito otimistas’ é como o FMI qualifica as intenções e as expectativas do Governo, tanto nos números como nas intenções. Na segunda avaliação que faz a Portugal ao abrigo da monitorização pós-programa, cujos documentos foram hoje divulgados, o Fundo diz que os dados disponíveis até maio apontam para que as receitas com impostos, em especial IRS e IRC, “provavelmente” fiquem abaixo da meta do orçamento.
O FMI defende, assim, mais medidas para conter o défice e diz que na ausência destas o défice orçamental será de 3,2% do PIB, longe dos 2,7% da meta do Governo e acima dos 3% que retirariam Portugal de uma situação de défice excessivo. A isto acresce um indicador mais problemático: o esforço de consolidação, medido pela redução do défice estrutural, não só não desce os 0,5 pontos percentuais exigidos pela Europa, como até aumenta, em 0,7 pontos percentuais.
Por isso mesmo, diz o FMI, “as autoridades devem ser mais cautelosas a reverter medidas chave do lado da receita adotadas nos últimos anos”. Caso a receita fique aquém (como o FMI – e a UTAO – espera que aconteça), e caso não a despesa não seja suficientemente reduzida, isto exigirá adiar ou mesmo cancelar parcialmente a eliminação gradual da sobretaxa de IRS prevista pelo Governo, assim como a contribuição sobre o setor energético ou a reforma em curso nos impostos sobre os imóveis.
O FMI defende também que a redução prevista da taxa de IRC não deve ser automática, mas sim avaliada cuidadosamente a cada ano para evitar que a receita caia.
A resposta do Governo a estas considerações vem já incluída neste relatório e desafia desde logo as premissas do FMI, mostrando-se confiante nas suas metas. Caso existam derrapagens, diz o Governo, não haverá medidas adicionais este ano. Essas derrapagens serão compensadas pela almofada financeira que o Governo inclui no Orçamento do Estado para 2015 (cerca de 750 milhões de euros, juntando a dotação provisional e a reserva orçamental).
Programa de Estabilidade? Muita parra, pouca uva
O FMI fez uma análise mais profunda do Programa de Estabilidade e dos planos para o futuro e a conclusão é, mais uma vez, que o Governo é otimista. Neste documento, que é a grande base do programa eleitoral da coligação, as metas que são incluídas para a redução da dívida pública são ambiciosas e apropriadas — mas pecam, desde logo, por estarem baseadas numa previsão de crescimento no médio prazo.
Enquanto o Governo espera que a economia cresça em média 2,4% entre 2017 e 2019, o FMI não vê a economia portuguesa a crescer mais que 1,3% neste período, o que na verdade é menos que o esperado para este ano. A previsão do FMI foi até revista em baixo, contrariando o crescente otimismo entre as autoridades portuguesas.
Isto faz que as previsões para a evolução da dívida pública sejam consideravelmente diferentes. O Governo espera que a dívida seja reduzida para 107,6% do PIB até 2019, o FMI espera que nessa altura esteja pouco abaixo dos 120% do PIB.
Aqui entra a avaliação que o FMI faz aos planos do Governo. O Programa de Estabilidade, como já tinha dito, “contém pouco detalhe sobre as medidas que serão implementadas para fazer a prevista racionalização da despesa pública” e, no mesmo documento, o Governo faz uma previsão para um saldo primário de 1,5% do PIB entre 2015 e 2019, mas não explica como o pretende fazer.
Segundo o FMI, a redução planeada com a folha salarial da Função Pública, as prestações sociais e com as pensões, em particular, “parecem demasiado otimistas” considerando o histórico da despesa pública com estes agregados. Para dar credibilidade a estas metas, o Governo tem de apresentar detalhes sobre as medidas que vai tomar para as alcançar, defende Washington.
O Governo deve dar prioridade à racionalização do emprego na Função Pública, da própria administração e dos seus serviços e tomar medidas que impeçam o aumento da despesa com pensões e saúde. O detalhe das reformas que o FMI entrega ao próximo Governo pode ser lido aqui.
Tão troikista como a troika, mas mais não
O Governo até pode ter começado a dizer que levaria mais longe as medidas do programa da troika, mas o FMI não vê da mesma forma. Na avaliação conhecida esta quinta-feira, o FMI diz que o Governo está a limitar-se a concluir reformas que já estavam no programa de ajustamento, sendo que algumas delas nem sequer saíram do papel.
Para o Fundo, a atual conjuntura dá mais condições ao Governo para avançar com reformas essenciais para colocar a economia a crescer mais e para a tornar mais competitiva, mas o Governo está a arrastar o passo. A única área onde o Governo até está a avançar mais rápido que esperado, diz o FMI, é na área das privatizações, ao antecipar o processo de privatização da TAP e das concessões de empresas de transporte em Lisboa e no Porto.
O FMI diz que as medidas do lado dos mercados de produto têm de sair do papel e de avaliar as reformas que já foram feitas no mercado de trabalho português, aumentar a eficiência da administração pública, das empresas públicas e dos tribunais e garantir que os organismos pagam a tempo e horas.
Já o Governo, considera que, em princípio será preciso fazer mais, mas para já é preciso tempo para que as reformas produzam resultados.