O cinema também tem destas ironias. José Barahona, o autor de “Estive em Lisboa e Lembrei de Você” (Competição Nacional, Culturgest – Grande Auditório, 19h), é um realizador português radicado no Brasil, que adapta neste filme o livro com o mesmo título do escritor do escritor Luiz Ruffato, sobre um brasileiro de Minas Gerais que imigra para Portugal em busca de uma vida melhor. Exatamente a mesma intenção de Barahona quando se foi instalar além-Atlântico, pelo que se cria um curioso efeito de espelho, e de identificação, entre o realizador e a sua personagem neste filme de produção luso-brasileira.

O mineiro Sérgio (Paulo Azevedo, um dos poucos atores profissionais do filme) decide vir instalar-se em Lisboa para trabalhar, na sequência de um drama familiar na sua cidade natal, que o afasta da mulher e do filho ainda de colo. É um rapaz honesto, modesto e quase sem mundo, que chega à capital portuguesa em pleno Inverno com sonhos de fazer muito dinheiro o mais depressa possível, e voltar ao Brasil para ter uma vida desafogada com a família. Mas logo descobre que num país em grave crise, onde as oportunidades de trabalho para os imigrantes, mesmo para os brasileiros que falam a língua, minguaram nos últimos anos, vai ser difícil arranjar um emprego sólido.

José Barahona costuma rodar num registo entre a ficção e o documentário, o que ajuda ao realismo justo, ao alcance da mão, e levemente pincelado de romanesco (o envolvimento de Sérgio com a prostituta sua compatriota) de “Estive em Lisboa Lembrei de Você”. O filme conta com a participação de brasileiros imigrados em Portugal e incorpora no argumento histórias vividas por alguns deles, é rodado em zonas e locais lisboetas que eles frequentam e abstém-se quer do lugar-comum do “coitadinho brasileiro explorado por portugueses aproveitadores”, quer do do “imigrante revoltado contra o país de acolhimento”. É uma das boas surpresas faladas em português deste Indie 2016.

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