Os fiscalistas contactados pela Lusa consideram que a alteração da tributação do património imobiliário, que deverá passar a ser progressiva, vai limitar a capacidade de as autarquias fixarem as taxas de IMI, alertando que significará um agravamento de impostos.

No Programa de Estabilidade, o Governo indicou que “será introduzido um mecanismo de progressividade na tributação direta do património imobiliário, tendo por referência o património imobiliário global detido”.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse à Lusa recentemente que a eventual substituição do imposto de Selo (IS) por uma taxa progressiva do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), avançada pelo Jornal de Negócios em maio, só aconteceria depois de preparado o Orçamento do Estado para 2017, tendo em conta a complexidade do tema.

Atualmente, os proprietários de IMI pagam este imposto por cada imóvel que detenham em função do seu valor patrimonial tributário (VPT) e, no caso dos prédios com VPT superior a um milhão de euros, há também tributação em sede de IS, à taxa de 1%. A alteração que o Governo está a estudar prende-se com a substituição da tributação dos prédios via IS pela introdução de progressividade no IMI, que passará a incidir sobre a globalidade dos prédios.

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Rogério Fernandes Ferreira, antigo secretário de Estado do Governo socialista de António Guterres, diz que no regime atual é possível saber “ao certo” os montantes arrecadados por imóvel e, logo, “saber-se-á o montante exato a distribuir por cada município”.

Com a introdução de taxas progressivas no IMI, “que dependem unicamente do valor do património imobiliário detido pelo contribuinte”, Fernandes Ferreira antecipa que “dificilmente se manterá o atual regime de discricionariedade na escolha das taxas pelos municípios”.

Também o fiscalista Vasco Valdez, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo social-democrata de Durão Barroso, entre 2002 e 2004, afirma que se o IMI “deixar de ser um imposto proporcional e passar a ser um imposto progressivo”, isso “pode diminuir a faculdade dos municípios para fixarem as respetivas taxas dentro dos intervalos determinados”.

Isto porque, defende, havendo um imposto sobre a globalidade do património imobiliário, “não tem muito sentido haver liberdade de fixação das taxas das autarquias, senão o efeito da progressividade do imposto desaparece ou pode diminuir”.

Por sua vez, o professor Manuel Faustino considera que a única forma de introduzir progressividade sem prejudicar a autonomia e a receita para as autarquias seria através de uma “componente estadual” do IMI.

“Tal como existe hoje esse IS sobre os imóveis com VPT acima de um milhão de euros, passasse a existir um imposto progressivo sobre a totalidade do património possuído pelo contribuinte que coexistisse com o IMI”, afirmou o fiscalista. Mas, nesse caso, alertou, deveria haver uma dedução da parte municipal do imposto, “para evitar dupla tributação”.

Manuel Faustino deixa outra dúvida: “Não sei se isto não afronta a própria Constituição, porque a tributação do património não se prevê ela própria progressiva”.

Vasco Valdez refere que o IMI já incorpora os elementos da capacidade contributiva e da progressividade, uma vez que a fórmula de cálculo do VPT dos prédios considera, por exemplo, o coeficiente de localização, que faz com que aqueles de maior valor de mercado sejam sujeitos a uma tributação maior.

Para o fiscalista, “reforçar essa componente no IMI já e um bocado duvidoso”, mas, se houvesse “um imposto sobre a totalidade do património [e não apenas sobre o património imobiliário], como um imposto complementar ao IRS, isso poder-se-ia compreender”, até porque já acontece em alguns países, como Espanha e França, desde que fosse possível deduzir “à cabeça” os encargos que eventualmente existam.

Fernandes Ferreira diz ainda que “a tributação global do património imobiliário com taxas progressivas irá provocar certamente, na esfera dos contribuintes, um novo aumento de impostos”, sobretudo para os que tenham mais património, uma vez que se parte do pressuposto – que considera “errado” — de que quem tem mais património tem mais capacidade de pagar impostos.

Vasco Valdez afirma também que, “embora a tributação imobiliária seja relativamente baixa”, há uma “grande diferença em relação a todas as outras”, que é o facto de “o património imobiliário em princípio não gerar receitas”.

“Temos de ir buscar rendimentos a outras esferas, designadamente ao rendimento do trabalho, para pagar os impostos sobre o património. Se esta tributação não for devidamente acautelada, pode fazer com que haja uma sobre tributação do património com consequências bastante graves”, nomeadamente o risco de “as pessoas não terem capacidade para suportar estes acréscimos de tributação”.

Também Manuel Faustino considera que o legislador tem de ter atenção a este ponto: “O contribuinte pode ser ‘rico’, mas pode não ter dinheiro para pagar o imposto. Em última análise, pode ter de vender património para pagar o imposto, se ele não gera o seu próprio rendimento”.

Questionado sobre se, em última análise, a introdução da progressividade significará um aumento do imposto para a maioria dos contribuintes, Manuel Faustino respondeu: “Não há milagres”.