Pressure is bird flu“. Apetece lembrar esta frase de José Mourinho, que a disse quando as águas estavam (pouco) tremidas na primeira aventura londrina. O português estava mais preocupado com a gripe das aves do que com a quebra de rendimento dos blues. O Manchester United de Alex Ferguson encurtava a distância para o seu Chelsea. Eram sete pontos de vantagem, em abril de 2006. Seriam suficientes para o bicampeonato. A luz do homem, na hora das dúvidas e tremideira, era outra. Mourinho desafiava o fado, dava músculo e flexibilidade ao verbo, parecia controlar os ventos. Estava em cima de tudo, com uma leveza há muito perdida. Agora, ao comando do United, soma três derrotas seguidas (Manchester City, Feyenoord e Watford), algo que não acontecia há 14 anos. E agora, pressão?

Comecemos pelo princípio: esta brincadeira não acontecia numa época desde 2002. O homem de Setúbal havia chegado às Antas há praticamente um mês, para suceder a Octávio Machado. E bem, senhores, e bem: vitórias contra Marítimo (2-1), Varzim (1-0), Benfica (3-2) e Vitória de Setúbal (4-1).

Seguir-se-ia a semana mais complicada da curta carreira do treinador. E o osso era duro de roer, com uma dupla jornada na segunda fase da Liga dos Campeões contra o Real Madrid de Vicente Del Bosque. Estávamos a 20 de fevereiro de 2002, no Santiago Bernabéu, perante cerca de 50 mil adeptos. Os espanhóis venceram com um golo de Santiago Solari. No fim de semana a seguir, com expulsões de Jorge Andrade e Deco, Fary e companhia mostraram que o Beira-Mar não estava para brincadeiras no Porto. Claro que esta mistura de Aveiro com uma teoria antiga de Mourinho sobre ovos daria para mais uma graçola, mas moles só mesmo os defesas do FC Porto nessa noite fria: 2-3.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A semana terrível terminou nas Antas, com mais um duelo contra o Real Madrid. Solari voltou a marcar e Helguera imitou-o; pelos portugueses apenas Capucho soube fazê-lo. Conclusão: nova derrota. Três. É dose. Claro que podemos agarrar-nos ao que aconteceu a seguir, tal como fez o jornalista Tancredi Palmeri no Twitter: nos 18 meses seguintes, Mourinho venceu o campeonato, a Taça Uefa e a Liga dos Campeões. Afinal, falamos do homem que nos primeiros tempos de FCP deu um murro na mesa e prometeu o título nacional na época a seguir. Dito e feito.

Se quisermos ser muuuuuito rigorosos, Mourinho perdeu três jogos seguidos há menos tempo. Aqui há um asterisco: o Chelsea de Mourinho perdeu as duas últimas jornadas da Premier League, em maio de 2005 (Blackburn, 0-1; Newcastle, 0-1). No arranque da outra época, com a coroa real a amansar os cabelos ainda por branquear, Mourinho perdeu a Supertaça Inglesa contra o Liverpool — o golo de Shevchenko foi insuficiente contra os acertos de Riise e Crouch.

Quase seis anos depois, volta a ser Pep Guardiola o primeiro a dizer-lhe “calma, José, que isto não é tudo teu”

Esta trama tem mais alguns pontos curiosos. Quando José Mourinho foi contratado pelo Real Madrid, a ideia era abrandar o apetite voraz por troféus de Pep Guardiola e companhia no Barcelona. Mourinho tinha enganado o catalão na Liga dos Campeões anterior, com o Inter de Milão, por isso funcionaria como um anticristo. Tudo corria lindamente, até que a noite de 29 de novembro de 2010 chegou…

O Real Madrid contava com dez vitórias e dois empates em 12 jogos da La Liga: 32 pontos em 36 possíveis. O Barcelona de Pep seguia perto, apenas a um ponto. Nessa noite fatídica de novembro, os merengues deslocaram-se até a Camp Nou. Mourinho era líder e avisava há uns tempos que haveria de perder. Obviamente, nem nos seus piores pesadelos imaginou que a história seria uma autêntica película de terror, com duração infinita, embora o relógio ainda jure que foram apenas 90 minutos. O Barça ganhou 5-0. Foi o primeiro reality check do português em Espanha.

Quase seis anos depois, volta a ser Pep Guardiola o primeiro a dizer-lhe “calma, José, que isto não é tudo teu”. O Manchester City deu um autêntico chocolate na primeira parte em casa do eterno rival, com o futebol que é fiel ao catalão. A equipa de Mourinho acreditou e acordou graças ao erro do estreante Claudio Bravo. A segunda parte foi diferente, mais partida, menos bem jogada, com mais esticões e cruzamentos. Quando assim é, já se sabe, há menos Pep e há mais José. O universo ficou do lado do espanhol (2-1). Começou aí a semana terribilis do messias de Old Trafford, que prometia canecos e fazer esquecer Van Gaal e Moyes.

Bastaram mais duas derrotas com Feyenoord, na Liga Europa — Mourinho gostou da dificuldade do grupo por cheirar a Liga dos Campeões –, e Watford, contra um velho conhecido (Mazzarri), para Manchester estar virada do avesso. Mais grave ainda quando Guardiola está a encantar no City, registando o melhor arranque da história do clube (oito jogos, oito vitórias). No Twitter é um festival de criatividade e bom e mau gosto que coloca em xeque José Mourinho. Os cronistas dividem-se na opinião, com alguns a considerar que os tempos mágicos do português já lá vão; outros lembram o currículo e assinalam a difícil herança.

https://www.youtube.com/watch?v=Jljuq34qMms

Mourinho tem criticado árbitros e assinalado algumas exibições negativas dos seus jogadores. Tem sido implacável, embora o tom não seja aquele de Madrid, áspero e sempre desconfiado. Está soft. Mas está preocupado, já não controla os ventos, já não sabe bem o que vai dar este fado. Também o verbo sofreu uma pancada, parece um escritor sem ideias, desconsolado à frente de uma folha em branco.

Mourinho perdeu 14 dos últimos 32 jogos que disputou na Premier League (Chelsea e United). É muito para um “Special One”. Até para um “Normal One”, como se autointitulou na segunda passagem em Stamford Bridge.

Mourinho, que até já venceu um troféu na curta estadia em Manchester (Supertaça Inglesa), não é o único debaixo da mira dos críticos. Wayne Rooney é dos mais visados. No Telegraph, pela pena de Jim White, pode ler-se um artigo onde se diz que “Rooney já não é suficiente”. Este é um dos problemas identificados no Manchester United, pelo menos para alguns. O capitão não tem frescura para correrias loucas para assumir uma pressão subida, nem tão pouco resolve a número 9, para não falar que constrói pouco naquela difícil e apertada localidade que é a famosa zona 10 (entre meio campo e avançados). Onde jogar, então? Fica a pergunta. Fica claro também que, para esses opinadores ou utilizadores das redes sociais, Rooney teria de saltar da equipa.

O problema alastra-se ao meio campo, que não encaixa. Paul Pogba, a transferência sensação do verão, continua sem acertar o passo. No Europeu já se sentira que talvez estivesse a acusar a pressão, por lhe pedirem que ele seja um Zidane, enquanto se falava em transferências com valores pornográficos. O United ganhou a corrida e Pogba vai tardando a encaixar no puzzle dos red devils.

“Mourinho pode ter sido especial em tempos, mas 14 derrotas em 32 jogos sugerem que a magia acabou”, escreve Simon Mullock no Mirror. No mesmo jornal, Steve Bates defende que o enigma se resume ao posicionamento de Pogba e ao “Tétris” no meio campo. “Caso contrário ele poderá ser o ‘Special Gone'”, escreveu ainda, numa referência a um eventual despedimento. É nesse patamar em que estamos: já há quem peça a cabeça do treinador.

Manchester United vs Southampton United

Paul Pogba (Manchester United)

É verdade que o Norte do United anda agitado, depois dos fracassos com Moyes e Van Gaal, mas não deixa de ser o clube que contratou Alex Ferguson em novembro de 1986 e que teve de esperar até 1993 para ver o primeiro troféu da Premier League. Haverá paciência com o português?

“Não, Mourinho não perdeu a sua magia”, escreve Darren Lewis no mesmo artigo do Mirror. “Não se ganha ligas em quatro países diferentes e a Liga dos Campeões noutros dois se não se tiver um talento natural. Ele voltará.” É disso que se trata: uma reação. Mourinho criticou a falta de maturidade dos jogadores que estão a ceder perante a pressão. Em tempos, o treinador era conhecido por colocar as atenções apenas sobre si, libertando os seus jogadores do calor dos holofotes. Estará isso a mudar também?

O discurso ambicioso de início de época e a forte aposta no mercado jogam contra o setubalense. Mas isso faz parte do jogo e ninguém melhor do que ele saberá como gerir as expectativas. Surpreendem, sim, os números: seis golos sofridos em cinco jogos (apenas oito marcados); duas derrotas em cinco jornadas mais uma derrota na Liga Europa.

“São sempre as mesmas desculpas”, defende Aaron Flanagam, outro cronista do Mirror. “O árbitro isto, o azar aquilo. Não há absolutamente forma de o Mourinho de hoje dar aquele sprint até à bandeirola de canto para celebrar um golo, como ele fez com o Porto em Old Trafford, em 2003.” Esta é talvez a chave da questão para se compreender e desmontar o novo José Mourinho. Desfrutará ele do futebol como antes?