Pelé calado é um poeta, diz Romário. E a falar é um profeta. Ou não. Aqui vai o top 10 do rei das gafes.

ÁFRICA–1990

Previsão: uma selecção africana vencerá o Mundial antes do ano 2000.

Resultado: Estamos em 2016 e os países africanos ainda nem passaram dos quartos-de-final (Camarões 1990 e Gana 2010).

NII LAMPTEY–1991

Previsão: destaque no Mundial sub-17, Pelé proclama o jovem ganês como seu sucessor.

Resultado: Lamptey diz-se amaldiçoado por forças negras e falha espectacularmente, ao rodar sem sucesso por 13 clubes, inclusive a U. Leiria (sete jogos e nenhum golo em 1998-99).

COLÔMBIA–1994

Previsão: a Colômbia vai vencer o Mundial dos EUA.

Resultado: a Colômbia, que goleia a Argentina (5-0), em Buenos Aires, na qualificação, é eliminada à primeira, num grupo com EUA, Suíça e Roménia.

ESPANHA–1998

Previsão: a Espanha é a favorita para o Mundial de França.

Resultado: a Espanha é eliminada ainda na fase de grupos, após perder o jogo inaugural com a Nigéria e empatar com o Paraguai.

CHINA–2002

Previsão: a China joga em casa e qualifica-se para os oitavos do Mundial.

Resultado: no Mundial da Coreia do Sul e do Japão, a China acaba em último no grupo C, sem pontos nem golos.

ARGENTINA E FRANÇA–2002

Previsão: Argentina e França vão à final do Mundial asiático.

Resultado: As duas selecções são eliminadas na primeira fase – a França, detentora do título, nem um golo marca.

BRASIL–2002

Previsão: o Brasil não passa a fase de grupos no Mundial asiático.

Resultado: com Scolari ao leme, o Brasil vence todos os sete jogos rumo ao penta e Pelé é encostado a um canto no meio da festa dos jogadores brasileiros.

PORTUGAL–2004

Previsão: com Raúl no onze, a selecção portuguesa pode ser campeã europeia.

Resultado: sem Raúl, que é internacional espanhol desde 1996, Portugal chega à final e perde com a Grécia.

RONALDO ESTÁ ACABADO–2008

Previsão: Ronaldo fenómeno nunca mais jogará futebol, após a enésima lesão.

Resultado: Ronaldo volta em Março 2009, pelo Corinthians, com dez golos em 14 jogos rumo à conquista do Paulistão. E ainda levanta a Taça do Brasil.

FUGA PARA A VITÓRIA–1982

Previsão: durante o famoso filme “Fuga para a Vitória”, Pelé, estrela da equipa dos Aliados, ao lado de Stallone e Caine, é brutalmente atingido pelos nazis. O brasileiro, carregado pelos companheiros para fora do campo, diz que não há como regressar ao relvado, numa altura em que os Aliados perdem 4-0.

Resultado: Pelé volta na segunda parte e inspira os Aliados a chegarem ao empate (4-4), com um golo de bicicleta. Até na ficção, as previsões de Pelé não se confirmam.

Então vamos lá à Taça

Como Pelé é um profeta-poeta sem eira nem beira, somos nós quem abraçamos a bola de cristal e nos aventuramos as previsões a respeito da Taça de Portugal. É a 77.ª edição e começa hoje a terceira eliminatória, a tal em que já entram os grandes. Que juntos, acumulam 57 Taças (SLB 25 SCP 16 FCP 16). E se nenhum deles fosse à final? Isso nem o bom do Pelé vaticinaria. Não, nem pensar. Ou sim? Seria um golpe genial e algo nunca visto desde 1999, com o Beira-Mar-Campomaiorense. Há 17 anos seguidos que um deles (ou os dois, vá) deixam a sua marca na decisão.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao todo, só há seis casos de absoluta deserção dos grandes no Jamor. Ei-los, em dia de Famalicão-Sporting – amanhã 1.º Dezembro-Benfica na Amoreira e sábado há Gafanha-Porto (todos às 20h15 na SportTV 1).

1942 BELENENSES-VITÓRIA SC (2-0)

O Belenenses anda a preparar alguma. Na primeira eliminatória, o FC Porto é aviado por 5-1 nas Salésias. Segue-se a Olhanense (3-0) e o Unidos de Lisboa (5-0). Na final do Estádio do Lumiar, o adversário é o Vitoria SC, autor do 2-1 sobre o Sporting nas meias-finais. E o Benfica? Abalroado pelo Sporting (4-0), nos quartos.

Belenenses e Vitória, portanto. É a primeira final sem nenhum grande. Marca-se o 12 Julho, no Estádio do Lumiar. Estamos em plena 2ª Guerra Mundial. Nesse dia, o quartel de Hitler envia o comunicado diário à imprensa: “No sector sul da frente leste, em Orel, perseguimos sem cessar o inimigo e as resistências foram aniquiladas em toda a parte. A noroeste de Voronej, com a colaboração dos aviões, foram destruídos 63 carros do inimigo. Na frente de Volchov, os bolchevistas tiveram perdas irreparáveis. A aviação soviética perdeu 74 aparelhos e faltam-nos seis dos nossos aviões. Num ataque ineficaz dos ingleses a Dantzig, na sequência de um raide ineficaz à cidade de Flensburg, os aviões lançaram bombas explosivas e incendiárias. Num hospital, que foi destruído, morreram numerosas crianças. Desses aviões ingleses, quatro foram destruídos.” De Moscovo, o comunicado evidencia outros números. “Travam-se grandes batalhas na frente de Voronej e Lissitschansk. Luta-se com o maior encarniçamento nas imediações de Voronej, que continua em nosso poder. Nesse sector, os alemães acusam a baixa de 4000 homens (todos mortos), 35 tanques, 51 carros blindados e mais de cem camiões.”

É neste ambiente terrível à escala global (ou quase) que Vieira da Costa atira a moeda ao ar. O capitão vimaranense Alexandre escolhe jogar a favor do vento e sai o Belenenses. O jornal Diário de Lisboa dá especial ênfase ao facto de ser a segunda final da Taça entre uma equipa da capital e outra da província, desde 1938-39. Ao intervalo, 1-0. Golo de Quaresma, aos 40′. Antes do recomeço, os 22 jogadores perfilam-se no meio-campo e saúdam o major Silva e Costa, máximo representante do governo português. No reinício, Gilberto acaba com as dúvidas e o Vitória, ainda muito verde, baixa imediatamente os braços. É a vitória da lógica. E a primeira Taça do Belenenses. Seguem-se mais duas, uma com o Sporting em 1960 (obra de Matateu), outra com o Benfica em 1989 (obra de Juanico). O Vitória, esse, tem de esperar até 2013 para levantar a primeira Taça (obra de Rui Vitória).

1966 BRAGA-VITÓRIA FC (1-0)

No domingo em que o Sporting impede o tetra do Benfica, o Vitória dá 8-1 ao Braga nos Arcos, com bis de Quim, José Maria e Armando. Por essa altura (2 de Maio), as duas equipas ainda não sabem o que o futuro lhes reserva: três semanas mais tarde, encontro no Jamor para a final da Taça. O Vitória aparece como detentor do troféu (3-1 ao Benfica), o Braga como convidado especial. Atenção, a equipa minhota é um osso duro de roer. Como prova, a irredutibilidade no 1.º Maio com os três grandes (triplo 0-0 com FCP, SLB e SCP, por ordem cronológica). Na Taça, em que a sobrevivência só se conquista com vitórias, o Braga comete a proeza de eliminar Benfica (4-1, 1-3) e Sporting (1-1, 1-1, 1-0).

Por capricho, o apelido do árbitro é Braga. Mais precisamente Braga Barros. Durante 76 minutos não se vêem golos. De repente, uma bola é metida nas costas da defesa vitoriana e Perrichon isola-se. O argentino, hoje com 72 anos de idade, não perdoa no frente-a-frente com o guarda-redes Félix Mourinho. Um-zero e é tudo. Na tribuna de honra, a entrega da Taça pelo presidente Américo Thomaz faz-se na presença dos capitães (Canário mais Jaime Graça). Segue-se a festa.

Conta o guarda-redes Armando: “Eu saí da baliza e vi todos os outros, os jogadores, o treinador, o massagista e outros. Parecíamos ovelhas tresmalhadas, uns para um lado, outros para outro. Depois foram as comemorações normais de quem não está habituado a ganhar. Quando acabou o jogo perdemos a cabeça, ao ponto de a taça desaparecer. Andou toda a gente à procura dela. Tinha sido um jogador, salvo erro o Coimbra, que pegou nela e a meteu na cama.” Agora já mora em Braga.

1967 VITÓRIA FC-ACADÉMICA (3-2 ap)

O Sporting cai na primeira ronda, aos pés do FC Porto (0-0, 1-0), afastado nas meias-finais pelo Vitória FC (3-0, 4-4), um dos finalistas do Jamor, a par da Académica, que elimina o Benfica nos quartos (2-0, 1-2). E, pronto, a Taça de Portugal tem mais uma decisão inédita, depois de um Braga-Vitória FC (1-0) na época anterior.

Quando as duas equipas entram em campo, longe estão os adeptos que acorrem ao Estádio Nacional de imaginar que vão estar sentados mais de duas horas. Um desses adeptos é Jorge Jesus. Com tão-só 13 anos, vai à bola com o pai e o avô. Triste coincidência, a meio do jogo, o avô cai-lhe no colo. Vítima de ataque cardíaco, morre ali na hora. Dentro do campo, os jogadores esgrimam argumentos para levar a melhor. À falta de formas de desempate no regulamento, só ao fim de 144 minutos (90’ da ordem mais os 30’ do primeiro prolongamento e outros 24’ do segundo período extra) é que se encontra o vencedor. Um golo de Jacinto João acaba com o suplício.

Conta Toni. “Ao mesmo tempo que cheguei à Académica, também vieram Mário Campos, hoje director do Serviço de Nefrologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Pedrosa do Vilafranquense e Pinheiro, formado em Medicina. Juntos, percorremos o caminho dos juniores e também fizemos parte da grande Académica, que acabou em segundo lugar do campeonato, a três pontos do Benfica. Estávamos em 1966/67, a mesma época em que perdemos a final da Taça de Portugal com o Vitória. Foi uma final inédita com dois prolongamentos! Se o Jacinto João não fizesse o golo, aquilo arrastava-se para outro dia. Outros tempos em que não havia cá penáltis… Nessa final, os mais novos – eu pela Académica e o Vítor Baptista mais o Tomé pelo V. Setúbal – saíram bem vistos. Foi o nosso passaporte para os grandes. Eu para o Benfica, como o Vítor [Baptista], e o Tomé para o Sporting.”

1976 BOAVISTA-VITÓRIA SC (2-1)

Bastam umas linhas para se perceber a suave pena de Neves de Sousa. “Afinal, Pinheiro de Azevedo estará esta tarde nas Antas. Afinal, nunca o Vitória procurou adiar o ‘match’ para as 21h30. Afinal, nunca a RTP pensou não transmitir o encontro para os mais de seis milhões de interessados nestas coisas do couro a que não poucos chamam pagode e outros qualificam de ‘inocentes pagadores de promessas’. Afinal, quem meteu água em toda esta sarabanda a que a criançada chamaria ‘fungagá dos comilões’ foi, como vendo mais que hábito, a FPF, também conhecida por Federação Portuguesa de Futebol, que deu o dito por não dito e o não dito pelo dito ao antecipar a final a rogos não se sabe de quem e transferiu a hora do início por intervenção de um dos clubes em liça.” Quem escreve assim não é gago. Calma, há mais. “Afinal, teremos mesmo jogo e, vejam só, é a final. Razão para que a RTP transmita um jogo que coloca em confronto duas equipas procedentes de regiões onde ainda não chegou a Reforma Agrária e muito justamente os rendeiros lutam pela Lei do Arrendamento Rural, com a qual tanto Boavista e Vitória poderão ter algo a ver. Entretanto, nos meandros da bola, dizem-nos que o árbitro é o reputado António Garrido.”

Com duas equipas do Norte, a final sai do Jamor e transfere-se para as Antas. Lá, uma série de gente puxa pelo Boavista. Por tudo e mais alguma coisa: pela proximidade, por Pedroto e já agora, pelo FCP. Como assim, FCP? Nessa época 1975-76, os planetas andam completamente desalinhados (ou então não, é precisamente o contrário). Seja como for, o campeão é o Benfica. Em segundo, Boavista. Em terceiro, Belenenses. Quêêêê? E o Porto? E o Sporting? Errrrr, em quarto e quinto. Por esta ordem. Quer isso dizer que falham as competições europeias. Sim, o Sporting falha mesmo. O Porto reza pelo Boavista. Em caso de vitória axadrezada, o Porto é puxado in extremis para a Taça UEFA. Um bis do baiano Salvador garante o avanço irrecuperável do Boavista. O golo de Rui Lopes apenas dá emoção aos últimos 15 minutos. O Vitória perde 2-1, o Boavista levanta a Taça pelo segundo ano seguido e Pedroto é levado em ombros na sua nova casa. Sim, ele acabara de assinar pelo Porto de Américo de Sá.

1990 ESTRELA-FARENSE (2-0)

Tem a palavra João Alves, o treinador do milagre numa final com o Farense. “Grande dia. Ou melhor, grandes dias. Foram dois jogos extraordinários, com golos de Paulo Bento e Ricardo na finalíssima, três dias depois do 1-1 na final. Muito empenho, muita seriedade e um Jamor a abarrotar, com invasão maciça dos adeptos dos dois clubes e até de outros.” Como assim? “Eu bem vi bandeiras do Sporting e do Benfica misturadas com as do Estrela. Foi a verdadeira festa da Taça. Um momento digno do futebol português.”

E qual o momento mais marcante dessa tarde? “De uma tarja enorme em que se lia “João Alves para Primeiro-Ministro”, embora não me lembre se estávamos perto das eleições. E de uma cena inesquecível cá fora, depois de levantarmos a Taça, com os motards de Faro, que eram sei lá quantos, a fazerem um corredor gigantesco e a aplaudirem à medida que o autocarro do Estrela passava por eles. Até me arrepio todo só de recuar no tempo e rever esse episódio.” No outro lado, o treinador é Paco Fortes. Diz João Alves, com evidente conhecimento de causa. “Ele estava sempre eléctrico, aos pulos, com a cara vermelha de tanto barafustar, mas era competentíssimo. Sabe que cheguei a defrontá-lo como jogador, em Espanha? Eu no Salamanca, ele no Barcelona.”

1999 BEIRA-MAR-CAMPOMAIORENSE (1-0)

O Sporting é o primeiro a cair, curiosamente em Barcelos, com o Gil Vicente, então na 2.ª divisão (3-2). Na eliminatória seguinte, os 16 avos, a surpresa em dose dupla. É Carnaval, ninguém leva a mal. O Porto de Fernando Santos é derrubado por um golo de Cláudio Oeiras (Torreense, da 2.ª), e o Benfica de Heynckes perde 2-0 no Bonfim. Marquem a data na agenda: 16 Fevereiro 1999, o primeiro dia do resto das nossas vidas.

Nos quartos-de-final, já só há quatro equipas da 1.ª divisão. Nas meias, três. O intruso é o Esposende, eliminado em casa pelo Campomaiorense (2-0 por Isaías e Demétrios). No Mário Duarte, o Beira-Mar afasta o Vitória sadino com um belo pontapé de Ricardo Sousa. Assim como assim, há um insuspeito Beira-Mar vs. Campomaiorense no Jamor agendado para a tarde de 19 de Junho de 1999. No apito, Lucílio Baptista. Às 17 o’clock, o homem dá início à partida. De um lado, Palatsi; Jorge Neves, Gila, Lobão e Caetano; Fernando, Paulo Sérgio, Eusébio e Ricardo Sousa; Fary e Fusco. Do outro, Poleksic; Quim Machado, Marco Almeida, René e Rogério Matias; Basílio, Mauro Soares, Nuno Campos e Laelson; Demétrios e Isaías. Nas bancadas, 25 mil pessoas entre o Presidente da República (Jorge Sampaio).

Ao intervalo, 0-0. No fim, 1-0. Ganha o Beira-Mar, golo (mais um) de Ricardo Sousa, aos 68 minutos, numa altura em que os aveirenses jogam com menos dez, por expulsão de Caetano (duplo amarelo aos 60’, na sequência de uma rasteira a Wellignton). No lance do golo, o jovem de 20 anos ultrapassa Vítor Manuel e Rogério Matias com uma só finta, ganha posição de remate à entrada da grande área e remata em arco com o pé esquerdo. A bola entra junto ao poste direito de Poleksic.

Aos 90’+7, o Campomaiorense beneficia de um livre à entrada da área e Demétrios acerta na barreira. Acto contínuo, pip pip piiiiiip de Lucílio Baptista. Entre os VIP, um sorriso mais amarelo que todos os outros, o de Gilberto Madaíl (presidente da federação). “Estou muito contente, o Beira-Mar é o único clube em Portugal do qual sou sócio.”