IRC

Tal como se perspetivava, esta não foi uma Proposta de Orçamento do Estado (OE) com grandes impactos ao nível dos impostos diretos, incidindo antes, e essencialmente, sobre os Impostos Indiretos e sobre o Património. Ainda assim, o OE trouxe algumas surpresas, as quais visaram, em alguns casos, clarificar normas já existentes mas, noutros casos, e como seria expectável, a arrecadação adicional de receita para o Estado. Senão vejamos.

Destacamos, desde logo, a alteração de 0,04 para 0,35 do coeficiente para determinação da matéria coletável relevante para efeitos da aplicação do regime simplificado relativo aos rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento. Esta alteração, que representará, na esfera dos beneficiários destes rendimentos, um aumento da matéria coletável sem precedentes (correspondente a 775%), constituirá certamente um entrave/desincentivo a futuros investimentos numa fase em que esta atividade começava a explodir em Portugal.

Também a tributação autónoma que recai sobre as empresas sofre um agravamento, passando os gastos não dedutíveis para efeitos fiscais suportados com despesas de representação, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, a estar sujeitos a tributação autónoma (independentemente do resultado fiscal apurado pela empresa).

Pretendendo evitar situações abusivas de aplicação do regime de reinvestimento, o OE passou a prever expressamente a inaplicabilidade do mesmo às mais-valias decorrentes da alienação de propriedades de investimento, ainda que tais ativos se encontrem registados contabilisticamente como ativo fixo tangível.

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Tal como ocorreu no ano de 2016, um quarto dos resultados internos gerados durante a aplicação do regime de tributação pelo lucro consolidado (em vigor até 2000), cuja tributação se encontre ainda pendente no fim do período de tributação de 2016, deverá ser considerado no lucro tributável do Grupo no ano de 2017, mantendo-se em vigor a aplicação do regime transitório relativamente ao montante remanescente daqueles resultados.

Mas nem só más notícias traz este OE.

Medida da mais elementar justiça face à caótica e constante modificação do período de dedução de prejuízos fiscais em Portugal, o OE para o ano de 2017 revoga a obrigação da dedução prioritária dos prejuízos apurados há mais tempo (FIFO), podendo o contribuinte passar a deduzir os prejuízos fiscais com o período de reporte mais curto.

Por outro lado, o OE para 2017 prevê ainda medidas, em sede de benefícios fiscais, que visam o incentivo ao investimento, reforço da estrutura de capitais e recapitalização das empresas.

Na perspetiva do investimento, são de realçar as alterações ao Regime Fiscal do Apoio ao Investimento (RFAI), as quais preveem o alargamento do limite do investimento elegível ao qual é aplicável a taxa de 25% de cinco milhões de euros para 10 milhões, mantendo-se a taxa de 10% para o investimento na parte excedente a este novo limite.

Ainda que qualifiquemos como “residual”, o OE para 2017 prevê ainda o estímulo à instalação de empresas em territórios do interior, através da redução da taxa de IRC para 12,5%, aplicável aos primeiros € 15.000 de matéria coletável para as pequenas e médias empresas (PME) localizadas nessas regiões (a definir por Portaria).

Na perspetiva do reforço da estrutura de capitais e recapitalização das empresas, é de realçar ainda o alargamento de aplicação do regime da remuneração convencional do capital social à generalidade das empresas (anteriormente, apenas aplicável a micro, pequenas ou médias empresas) independentemente da natureza dos sócios (passando, a ser aplicável, nomeadamente, a sócios pessoas coletivas). Verifica-se ainda um aumento da taxa de incentivo de 5% para 7% e do período de utilização que é alargado de 4 para 6 anos.

IRS

No que se refere ao IRS, a principal novidade para 2017 é, como já vinha sendo antecipado, a manutenção da sobretaxa de IRS. No entanto, as respetivas taxas, que já eram progressivas em 2016, foram revistas e sofreram uma redução que vai sendo menos significativa à medida que aumenta o nível do rendimento (em 2016 a sobretaxa variava entre 1% e 3,5%, passando a variar entre 0,25% e 3,21% em 2017), acentuando assim a progressividade da sobretaxa de IRS em 2017.

Em termos de retenção na fonte mensal da sobretaxa de IRS, em vez de uma redução das taxas, o Governo optou pela manutenção das taxas em vigor em 2016, aplicando uma extinção gradual da retenção na fonte ao longo do ano, em função dos escalões de rendimento. Assim, enquanto os contribuintes com um nível de rendimento enquadrado no 2.º escalão do IRS deixarão de sofrer retenção na fonte de sobretaxa a partir do mês de abril, inclusive, os contribuintes enquadrados no último escalão só deixarão de estar sujeitos a esta retenção na fonte no mês de dezembro. Note-se que os contribuintes enquadrados no 1.º escalão não estarão sujeitos a sobretaxa de IRS, à semelhança do que já sucedia anteriormente.

Por seu lado, as taxas gerais de IRS e o regime de deduções à coleta mantêm-se inalterados, havendo apenas uma atualização de 0,8% (em linha com a inflação prevista pelo Governo) dos escalões de IRS e dos limites globais das deduções.

À semelhança do que sucede para efeitos de IRC, o coeficiente aplicável para determinação do rendimento tributável em IRS oriundo da exploração de alojamento local na modalidade de moradia e apartamento é incrementado de 0,15 para 0,35, resultando num agravamento da tributação destes rendimentos.

Uma das boas notícias desta Proposta de OE é dirigida aos contribuintes com deficiência. Estes contribuintes, que já beneficiavam de uma redução de 10% no rendimento tributável das Categorias A, B e H, veem esta redução crescer para 15% no caso dos rendimentos da Categoria A e B, mantendo-se a redução nos 10% nos rendimentos da Categoria H (pensões).

Em linha com o objetivo de simplificação do cumprimento das obrigações fiscais e do desenvolvimento do processo de pré-preenchimento das declarações de IRS que se vem verificando ao longo dos últimos anos, é estabelecido para 2017 um regime de declaração automática de rendimentos que consistirá na disponibilização pela Autoridade Tributária de uma declaração de IRS provisória, totalmente preenchida com base nos elementos de que dispõe, assim como de uma liquidação de IRS provisória.

Nas situações em que não existam elementos adicionais a declarar, os contribuintes apenas terão que fazer uma validação da declaração provisória. Se não ocorrer a entrega de uma declaração de IRS ou a validação da declaração provisória até ao termo do prazo legal de entrega das declarações de IRS, a declaração provisória e a respetiva liquidação tornam-se definitivas. Contudo, é concedido um prazo de 30 dias para o contribuinte proceder à entrega de uma declaração de substituição, sem qualquer penalidade, se pretender corrigir qualquer elemento da declaração automática.

Será de esperar que em 2017 muitos contribuintes não possam ainda beneficiar plenamente deste regime automático, por se encontrarem em situações ou serem titulares de rendimentos/despesas ainda não abrangidas pelos regimes de comunicação eletrónica e pré-preenchimento da declaração. No entanto, será expectável que o universo de situações cobertas pela declaração e liquidação automáticas venha a aumentar nos próximos anos.

Outra boa notícia, é a eliminação da norma que obrigava a que a opção pela tributação conjunta fosse efetuada dentro do prazo legal de entrega das declarações de IRS, impedindo que esta opção fosse utilizada por contribuintes que entregassem a sua declaração de IRS fora daqueles prazos. A partir de 2017, esta opção passa a poder ser efetuada ainda que a declaração seja entregue fora daquele prazo e até ao fim do prazo para reclamação no caso de liquidação oficiosa.

Relativamente aos períodos de entrega das declarações de IRS, é ainda eliminada a distinção em função do tipo de rendimentos declarados, passando a haver um período único de entrega das declarações de IRS que decorre entre 1 de abril e 31 de maio.

Na perspetiva do investimento, é de realçar a introdução de um incentivo fiscal no âmbito do Programa Semente (aplicável a startups). Este incentivo proporciona uma dedução à coleta do IRS no caso de investimentos até 100.000 euros em startups. Verificados os vários requisitos deste regime, o incentivo fiscal ascende a 25% do montante anual dos investimentos elegíveis, com o limite de 40% da coleta do IRS.

Acresce que as mais-valias decorrentes da alienação das participações elegíveis no âmbito deste benefício não serão tributadas se a participação for detida durante, pelo menos, 48 meses e o valor de realização for reinvestido noutros projetos elegíveis no próprio ano ou no ano seguinte ao da transmissão.

Em termos dos benefícios fiscais, é ainda incrementado o limite da dedução à coleta do IRS respeitante aos valores aplicados em contas individuais geridas em regime público de capitalização, o qual passa para 400 euros no caso de contribuintes com idade inferior a 35 anos, mantendo-se nos 350 euros para os restantes contribuintes.

Texto de Maria Torres (IRC), Tax Partner da PwC e Ana Duarte (IRS), Tax Director da PwC