Se isto é a (primeira) geração de ouro do futebol feminino, chamemos os bois pelos nomes. Ou as garotas pelas lendas. Dolores Silva, a “trinco” (trinca?), fazia de Paulo Sousa. Sublime no passe, sabia ocupar bem os espaços, encurtava a equipa, dançava com ela e fazia-a dançar como queria. Cláudia Neto, camisola 7, era Luís Figo: técnica, andamento e mentalidade de ferro, mesmo após falhar um penálti (já lá vamos, caaalma). Ana Leite era como João Pinto, metia-se a alta velocidade pelo meio das defesas de amarelo, partindo-lhes a cabeça e torcendo-lhes os joelhos sem pudor. Apesar de tanto ouro, a seleção feminina empatou a zero vs. Roménia, na primeira mão do playoff de acesso ao Euro 2017. Terça-feira há segundo jogo, em Cluj.

O Restelo recebeu quase 3500 pessoas para assistir ao duelo entre duas equipas que se querem estrear em Campeonatos da Europa. A Roménia está a tentar fazê-lo com 14 jogadoras da mesma equipa: Olimpia Cluj. Catorze. Embora fique a anos-luz, faz lembrar o núcleo duro de Scolari, com Nuno Valente, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche e Deco. Ou de Fernando Santos, com William Carvalho, Adrien e João Mário.

Francisco Neto, o selecionador nacional, apostou num losango para atacar a Roménia, que tinha na baliza uma senhora com um apelido curioso: Andrea Paraluta. E parou tantas lutas, ela. Cláudia Neto, Ana Leite e Carolina Mendes iam tentando baralhar as contas da defesa da Roménia (4-3-3), que até entrou melhor que Portugal, com dois lances pelas linhas. Resolvida a questão, Portugal começou a assumir — faltou alguma largura ao losango, faltou talvez mais apoio e pedalada das laterais, algo que aconteceu um pouco mais na segunda parte, por Ana Borges. Seria assim até ao fim, jogar-se-ia muito mais no meio campo rival. Patrícia Morais, que quando agarrava uma bola se ouvia o mesmo grito que Rui Patrício ouve em Alvalade, teve pouco trabalho.

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Aos sete minutos Portugal beneficiou de um penálti. O que antecedeu a falta foi uma pequena maravilha: “Cláudia Neto e Ana Leite entendem-se às mil maravilhas, ‘tá visto'”, passa pela cabeça de qualquer um. O um-dois das duas foi bonito de se ver, explorando as costas das romenas. Depois Ana Leite chutou com o pé esquerdo, mas nada daria. Poucos segundos depois dar-se-ia a falta da grande penalidade. Quem assumiu? CN7. Ou Cláudia Neto. Parte para a bola e…

… bola no poste! A seguir a redondinha ainda ressaltou nas costas de Paralutas. O universo estava do lado da romena e Cláudia Neto bufou. Mas cumpriu o que prometeu na véspera: “Estou preparada para tudo”. E estava, lutou ainda mais desde esse minuto ao último como se nada fosse. Com o golo talvez voasse ainda mais, mas assim pedalou para corrigir o desvio daquela remate malvado.

Às vezes tocava um silêncio na bancada bem esquisito, até parecem aqueles first dates malandros. Depois ali a rapaziada que inventou uma claque lá acordava e ficava tudo bem. As gargantas e as cordas vocais iam de cânticos do Euro 2016, conquistado com o pontapé de Eder, até a músicas roubadas aos clubes. Tudo valia para aquecer a alma. A noite só arrefeceu quando a árbitra deu por encerrada a partida.

O intervalo chegaria e o marcador ‘tá quieto. As notas mais pertenciam a Sílvia Rebelo (central), Dolores Silva, Ana Leite e Cláudia Neto. A partir daqui o jogo cairia muito. Por falta de pernas, ideias, pernas e pernas. O campo começou a ficar largo e comprido. Dolores deixou de ser Paulo Sousa. Neto ia sendo menos Figo, mas tinha mais resistência que as outras.

Lá para o fim, aos 84’, Francisco Neto decidiu lançar Diana Silva, a camisola 16. As bancadas vibraram, gritaram mais do que por qualquer outra. Tinha ginga na corrida, de facto, procurava a bola, mostrava-se, queria fazer algo. A avançada do Sporting levava 11 golos em 41 internacionalizações. Nasceu em 1995.

A um minuto do fim, a somente 60 segundos dos ponteiros namorarem o minuto 90, Diana disse “olá, boa noite, tudo bem?”. A garota recebeu de costas, segurou a bola, virou-se, deixou uma, duas, três para trás… O Restelo ficou em suspenso, segurou o fôlego, esticou as pernas, sonhou um bocadinho. “Chuuuuta!!!”. Ela chutou, com a canhota, mas já com pouca força. Paralutas voltou a parar mais essa luta. Ia ganhando todas as batalhas. Diana Silva promete coisas boas para terça-feira, a segunda mão que será jogada na Roménia.

Por aqui, no Restelo, com o rio já escondido pela escuridão que caiu, o resultado acabou cinzentinho como o tempo: 0-0. Para a semana há mais, meninas…